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04/09/2016: “Para amar mais”

Comentário ao Evangelho do 23º Domingo do Tempo Comum: Lc 14, 25-33

 

Simples assim: quem quiser seguir Jesus deve deixar tudo o mais, com radicalidade. Nenhum outro amor pode se interpor ao amor do Mestre. Nem pai e nem mãe, nem mulher e nem filhos, nem irmãos ou irmãs, nem o interesse pela própria vida – nada deve impedir seu seguimento total e incondicional. Começar a segui-lo e ainda deter-se com essas “coisas” equivaleria a começar uma obra e não terminar, ou partir em batalha sem calcular as reais chances de vitória. Renunciar a tudo, abandonar tudo, desimpedir-se de tudo – essas são as condições para seguir Jesus. Simples assim!   Não é preciso ir muito longe para encontrar quem leia o evangelho de hoje nesses termos. E sinta-se evangelicamente justificado em seu autorreferenciamento, já incapaz de amar e de se comprometer com os outros. Afinal, Jesus mesmo teria exigido que seus seguidores não se deixassem deter por nenhum outro amor a não ser o dele. Celibato, consagrações, penitências mortificadoras, frustração dos sonhos, estreitezas, descompromissos, escusas, abandono da família… tudo estaria sumariamente aprovado pela severa instrução de Jesus: “qualquer um de vós que não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 25,33).

Mas também não é preciso ir muito longe para ver o quanto essa compreensão simplista se afasta do Evangelho de Jesus. Tanto em Marcos quanto em Mateus, a ordem de renunciar tudo para seguir Jesus convive com outra igualmente comprometedora: nunca ofertar a Deus (ou ao Templo) aquilo que, por amor e cuidado, deve ser aplicado no cuidado dos pais idosos. Fazer essa doação injusta poderia até agradar aos ministros religiosos, mas prejudicaria aqueles que devem ser honrados, os pais, e terminaria por desagradar a Deus mesmo (cf. Mc 7,8-13; Mt 15,3-6). Aliás, não existe no Evangelho indício algum de que Jesus tenha compreendido o amor a Deus como um exclusivismo, de modo que o discípulo tivesse que escolher: ou ama a Deus, ou ama as pessoas; ou segue Jesus, ou cuida da família. Pelo contrário, o mesmo Jesus que agora convida a deixar tudo para segui-lo já tinha unido os dois mandamentos do amor: “amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu conhecimento […] e amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22,37-38). O amor, se verdadeiro amor, não se fecha em escolhas excludentes, mas se abre à acolhida e à geração. De modo que amor a Deus e ao próximo não são pratos opostos da balança, mas círculos concêntricos que se contêm e se implicam.

Então, como compreender o convite de Jesus para “deixar tudo e segui-lo”? Talvez, as duas leituras deste domingo nos ajudem. Na segunda (Fm 9b-10.12-17), Paulo exorta Filêmon a receber de volta seu escravo Onésimo, mas não mais como escravo: “Eu o estou mandando de volta para ti, como se fosse o meu próprio coração […]. Não mais como um escravo, mas muito mais que isso, como um irmão querido, muitíssimo querido para mim quanto mais ele o for para ti”. Para Filêmon, “deixar tudo” para seguir Jesus, de agora em diante, significaria abandonar a relação de senhor-escravo com Onésimo, para amá-lo como um irmão. Ao contrário do desprezo ou o abandono, “deixar tudo” significa aqui assumir tudo, comprometer-se radicalmente, amar com mais largueza. Para aquele que tem esposa e filhos, pai e mãe, irmão e irmã, qual será o caminho do seguimento de Jesus, senão o coração desses seus amados? Onde ouvirão o chamado do Mestre, a não ser na vida e nas necessidades desses que estão diante de seus olhos? Onde amarão o Senhor, se não amarem aqueles que estão mais próximos? Amar a todos é uma ideia bonita, mas abstrata demais. Ama-se a todos amando àqueles que estão próximos. E, de tanto amar, esse amor se derrama para fora, alcançando aqueles que estão longe, na sombra do esquecimento. Ou seja, o desejo de amar a todos implica a concretude de amar efetivamente aqueles que cruzam nosso caminho. Para aqueles que vivem no seio da família, “deixar tudo” significa se dedicar com todo o empenho aos seus amados, amando-os como a Jesus. Para os que se decidiram pela vida missionária ou ministerial, “deixar tudo” significa não se autorreferenciar, mas amar concretamente aqueles a quem se consagraram ou a quem devem servir. Pois bem sabemos: aquele que renuncia a amar a alguns para amar a todos, termina por não amar ninguém – nem a si. E para os que acham esse caminho concreto demais para ser trilhado (pois os caminhos do amor abstrato são certamente mais seguros), a primeira leitura (Sb 9,13-18) pode consolar: o espírito do alto nos ajuda a compreender o que está para além de nossas mãos. E essa sabedoria salva.

Que possamos renunciar a tudo para seguir Jesus: a todo egoísmo, a toda indiferença, a toda pretensão, a toda autopreservação. Que dediquemos a vida ao seu verdadeiro seguimento: o amor àqueles que se põem diante de nós. Amando-os, quem sabe os limites de nosso coração de se alarguem sempre mais. E, no fim, nos surpreenderemos, pois de tanto amar, teremos amado a Deus mesmo.

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Por, Frei João Júnior, ofmcap

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