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01/03/2015: "Escutai-o!"

Comentário ao Evangelho do II Domingo da Quaresma: Mc 9, 2-10

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Do deserto à montanha: parece ser esse o itinerário proposto para esse início da quaresma. Na semana passada, acompanhamos Jesus, guiado pelo Espírito, em sua incursão pelo deserto: lugar da solidão desoladora e da aridez das buscas; de submeter à prova o amor prometido e as esperanças perseguidas; morada dos demônios e dos anjos que nos habitam as profundezas da alma. Nesta semana, somos contados entre os discípulos que acompanham o Mestre ao alto da montanha: lugar onde o topo da terra parece querer penetrar os céus; lá onde a gravidade do mundo dá lugar à leveza de um quase-voo; lugar do encontro entre as durezas escuras e as sublimes claridades. Bem sabemos: ambos (deserto e montanha) são metáforas do coração humano, que é simultaneamente lugar de solidão e de encontro, de procura e de achado, de estranheza e familiaridade do Mistério. Talvez por isso, na intenção de nos entronizar na relação com o Mistério Pascal, a liturgia insista, no começo da quaresma, em nos conduzir a esse delicado lugar.

A Transfiguração é um texto muito especial do Evangelho de Marcos. A primeira parte do Evangelho tinha sido aberta por uma “voz do céu” no batismo (“Tu és o meu Filho, no qual pus o meu agrado” – Mc 1,11) e encerrada por uma confissão de fé: “Tu és o Cristo” (Mc 8,29). Do mesmo modo, a segunda parte se abre hoje com a mesma “voz do céu” (“Este é o meu Filho amado, escutai-o” – Mc 9,7) e será encerrada na Paixão, também com uma confissão de fé: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus” (Mc 15,39). Ou seja, a Transfiguração é um passo no sempre incerto caminho do discípulo que, aos poucos, vai compreendendo quem é o Mestre. Na narrativa, os discípulos que caminham com ele percorrem esse itinerário de conhecimento, enquanto nós, leitores, fazemos interiormente o mesmo esforço de reconhecer o Ressuscitado que continua a caminhar à nossa frente. Tal como fez aos primeiros, o Senhor persiste a nos conduzir, a andar à nossa frente e nos abrir caminhos. E a Transfiguração nos garante: Jesus é o Filho muito amado, em cujo ensinamento se encontra o caminho ao coração do Pai.

Mas há algo mais. A fé já nos ensinou que, ao conhecermos Jesus, aprendemos sobre o Pai, pois ele é o Filho, o rosto de Deus visível aos nossos olhos, nos limites do mundo e da história. Mas, ao conhecê-lo, aprendemos também sobre nós e nossa condição humana. Pois, Verbo de Deus feito humano, Jesus é o que de mais belo nossa natureza humana pode produzir. Vivendo nossa vida até as últimas consequências, toda a nossa existência se ilumina com uma viçosa esperança, pois nele descobrimos até onde podemos ir e o que podemos esperar de nós mesmos e de Deus. Em Jesus, finalmente compreendemos: somos filhos amados do Pai, destinados não ao abandono do sofrimento, mas à realização da verdade e do amor. Não é, pois, sem razão, que Jesus nos conduz ao “monte”: somente lá, no mais elevado de nós mesmos, tendo o horizonte, divisa da finitude, como testemunha, um ensinamento assim tão precioso nos poderia ser dado.

Para os primeiros cristãos, divididos ainda entre o evangelho de Jesus e as tradições religiosas de Israel, a admoestação é clara: “escutai o que Jesus diz” (Mc 9,7); “abriram os olhos e viram somente Jesus com eles” (Mc 9,8). Contra a tentação de acomodar tudo numa fé confortável e pouco decidida (“é bom estarmos aqui, façamos três tendas…” – Mc 9,5), o evangelista é resoluto: não mais Moisés e Elias, mas Jesus é o intérprete do Pai. Dele ouviremos “a Lei e os Profetas”, o caminho de nossa vida. E para nós, o que esse “escutai o que ele diz” pode significar? No caminho do seguimento de Jesus, que vozes ainda nos dividem e exigem morada em nós, insistindo em fixar tendas em nosso viver? Discerni-las diante da voz de Jesus pode ser um bom exercício quaresmal.

Que compreendamos de modo cada vez mais acertado, a cada nova curva do caminho, quem é Jesus. E que, ao conhecê-lo, nos conheçamos sempre melhor a nós mesmos, compreendendo os limites e as potencialidades de nosso coração humano. E que a voz do Mestre encontre tenda em nossa vida, quer nas altas montanhas de nosso aconchego, quer nos áridos desertos de nossas buscas, quer nas planícies de nossa cotidianidade.

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Por, Frei João Júnior ofmcap

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