Comentário ao Evangelho do V Domingo do Tempo Comum: Mc 1, 29-39
Uma tranquilidade imperturbável, “sombra e água fresca”, alegria incessante ao lado de quem se ama, a tão sonhada prosperidade… Não são essas as imagens – e suas muitas variantes – que habitam o mundo prazeroso que cada homem e mulher desejaria para si?
Infelizmente – ainda que o ‘facebook’ testemunhe o contrário – a vida humana sobre a terra é luta! (Jó 7, 1). Sentimo-nos, apesar do que imaginamos em nossos sonhos de paraíso, num constante combate contra as dificuldades, ou contra o tédio do dia-a-dia. Com frequência, os acontecimentos de nossa vida, claros ou impenetráveis, são apenas uma sombra do que se passa no nosso coração e no nosso desejo. Vivemos como escravos, detidos na esperança de que as coisas não sejam finitas, enganando-nos da nulidade de tudo. Esperando a paga por nossa vida: o nada…
Ruínas com fachadas; seríamos isso? Corações oprimidos e satisfeitos com a opressão, lutando contra ela só hipocritamente, pois na verdade a desejaríamos mais que tudo; seremos isso? Esmagados, pois foi esse o jeito que encontramos para manter os pés no chão: sob o peso de todas as dores do mundo; é o que nos define?
Entregues ao desespero, convém lançar a questão ao responsável por essa desordem. É melhor que o responsável seja Deus e não nós mesmos e, por isso, perguntamos-lhe: Onde estás? Diante da dor, do homem esmagado, da violência e da morte… Onde? Por que permites, silencioso, sem intervir…? “Ele castiga os infiéis” – era essa a explicação dada para o sofrimento no tempo de Jó. E como explicar o sofrimento do justo? Hoje fomos mais longe do que nunca; chegamos ao “alto da montanha” para ouvir o profeta dizer “Deus está morto”. De agora em diante, estaremos esmagados por qualquer responsabilidade e culpabilização, sem Deus para dividir conosco tantos encargos.
Entretanto, talvez precisássemos mesmo que algumas imagens de Deus ruíssem. O Deus de nossas fantasias… Precisaríamos deixar tais imagens ruírem para que apareça o Deus incompreensível, o Deus que nos falta. O Deus que inexplicavelmente parece não fazer nada diante de nossas dores, mas que está lá, sofrendo-as conosco.
Não nos falta confiança nesse Deus? Nele que nos surpreende, não apenas na eventualidade de algumas circunstâncias, mas entre os escombros de nossa esperança; não apenas na Palavra, mas quando essas nos faltam; não somente na alegria, mas também na dor; não só na perseverança e na força, mas na fragilidade e na iminência da desistência? Nele que nos mantém vivos como a brasa fumegante sob a cinza… Nele que não nos explica logicamente a razão do mal, mas o sofre conosco? E nos autoriza a combatê-lo, bem como ele mesmo o faz…
Os evangelhos, à luz do Ressuscitado testemunham esse combate contra o mal. O desse domingo mostra a presença sanante de Jesus (sallus: saúde/ salvação). Primeiro ele vai à casa da sogra de Simão, que ardia em febre, coisa inexplicável para aquela época, já que tudo aparentemente estava bem, apesar dos calafrios e da indisposição. De idade avançada, assim a imaginamos, deitada… Trazendo que angústias em seu coração? (o fato de Simão ter deixado tudo para trás, para seguir o Mestre?). Mas, atentemo-nos para os verbos que insinuam o que é a cura de Jesus, naquele caso: “… se aproxima dela” (Proximidade); “toma-a pela mão” (Apoio; amizade); “a levanta” (ressurreição, vida). E, então, ela estava pronta para servir, para ser integrada à comunidade. Quantas febres, calafrios, doenças que sangram nosso coração não poderiam ser curadas assim; com um pouco de presença amiga, com o apoio de quem estende a mão, com a disposição de quem ajuda a levantar?
Marcos, em sua pressa costumeira, diz ainda que “depois do pôr do sol”, a cidade inteira se amontoava na porta da casa de Simão. Jesus fará, então, mais curas, bem como expulsará muitos espíritos impuros. Todos esses à porta, não desprezam a novidade que Cristo traz consigo, mas não o compreendem em seu segredo. Ainda assim, a presença de Jesus é a presença do Reino que já chegou. Do Deus que inexplicavelmente vem ao nosso encontro e assume esse mundo para libertá-lo. E desde dentro, com suas dores e angústias, com seus conhecimentos e incompreensões… E até o fim, quando saberemos quem ele é, na loucura e no escândalo da cruz. Ele é definitivamente o Deus que nos falta. O Advento de Deus à nossa vida, mesmo quando o sol de nossas falsas imagens já se pôs no horizonte.
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Por, Pe. Eduardo César
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