Diocese de Uberlândia Em Destaque Reflexões Dominicais

10/11/2013: "Deus de vivos"

32 Domingo do Tempo Comum

Lc 10, 27-38

Borboleta - Metamorfose

O texto do evangelho deste domingo (10) merece alguns esclarecimentos anteriores. Num primeiro instante eu gostaria de mencioná-los para, então, chegar à nossa reflexão, propriamente.

Primeiro esclarecimento. Os textos mais remotos do Antigo Testamento tratam a morte como mal/maldição (Dt 30, 1. 19), embora ela não chegue a ser uma categoria de relevância. O importante para os judeus é a vida e, daí, a necessidade de transmiti-la, pois nos filhos se manteria viva a memória dos pais. E a vida, para os judeus, se joga aqui; se aqui se realiza o bem – a fidelidade a Deus –, a retribuição para essa atitude serão as bênçãos. Do contrário, serão dadas maldições. Há também uma solidariedade de gerações: caso eu não pague por minhas transgressões, meus filhos, netos ou bisnetos poderão responder por eles. Entretanto, a benção é sempre mais superabundante do que a maldição. Enquanto a primeira perdura até a milésima geração, a segunda só perdura até a quarta (Ex 20, 5s; Dt 5, 9s). Contudo, o fato de a vida se decidir aqui não significa que ela termine aqui. Para os judeus, abaixo dos fundamentos da terra há o Sheol, uma morada dos mortos que ainda conserva algum aspecto material; descrita como um lugar de esquecimento, sombras e silêncio, uma sobrevida de sonolência, onde não há culpa, porque não há consciência (Jó 7,0; Ecl 9, 4-6). Não é ainda um inferno, entretanto, porque Deus ainda é o Senhor desse lugar.

Segundo esclarecimento. A interpretação judaica evoluiu. Em Ezequiel e Jeremias, por exemplo, encontramos críticas à solidariedade das gerações (Ez 18,2) e nos textos sapienciais, fortes críticas à teologia da retribuição (Cf. Jó, i.e.). A fé na ressurreição também é muito tardia no Antigo Testamento; data do período apocalíptico, numa época de desespero retratada muito bem no livro segundo de Macabeus. De lá ouvimos uma mãe dizer a um de seus filhos que o Deus que nos criou do nada é capaz de dar-nos vida novamente. (2 Mc 7,28-29). Em Daniel essa fé na ressurreição ganha também aspectos pessoais (Dn 12, 2s).

Terceiro e último esclarecimento. Os fariseus são os grandes herdeiros dos Macabeus, do ponto de vista da fé na ressureição. Já os saduceus não liam os textos mais tardios e não criam na ressurreição. Como eles liam, por outro lado, somente a Torah – nosso Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) – é de lá que eles retiram a lei do levirato (Dt 25, 5-6), para ridicularizar a crença na ressurreição. Segundo tal lei, se um homem morresse deixando uma mulher viúva e nem filho para responder por ela, o irmão daquele homem deveria assumi-la.

Pois se assim é, uma mulher que se tenha casado com sete maridos, pertencerá a quem, quando ressurgirem? Essa pergunta capciosa é uma ironia contra os fariseus, um jogo de vaidades contra Jesus, obrigando-o a optar por um grupo: ou o dos fariseus ou o dos saduceus. E essa é a questão que encontramos nesse Evangelho de hoje.

A resposta de Jesus é contundente.  Então, sem entrar em nenhuma descrição detalhada ele faz uma crítica ao pensamento dos saduceus. E o pensamento dos saduceus não é outra coisa senão: supor que a ressurreição é apenas uma continuação dessa vida, aos mesmos moldes e parâmetros que temos; submetida aos mesmos regimentos que nos orientam… Supor que a morte supera a vida, já que o Sheol é o destino de todos. Que Deus não nos pode dar vida nova. Mas a pior suposição de todas, percebida no transfundo da lógica imposta pelos saduceus é: supor que a ressurreição é uma reanimação de cadáver.

Ao que responde Jesus, podemos compreender que a ressurreição é, na verdade, vida plena, transformada.  Completa numa ‘metamorfose definitiva’, as ‘metamorfoses constantes e contingentes’ dessa vida.  A resposta de Jesus aponta que a relação com Deus não é interrompida com a morte – não caímos no esquecimento. Na comunhão dos anjos e dos santos, permaneceremos – se tratamos de já estar – numa relação contínua e definitiva com Deus, que é Deus de vivos, não de mortos. A ressurreição não é uma reanimação, mas é um levantar-se para uma vida glorificada.

Cristo não apenas crê na ressurreição, a partir de sua experiência de Deus, que não deixa a morte ter a última palavra, mas também fala de si mesmo como sendo a ressurreição e a vida (Jo 11, 25). Confia na ressurreição, essa sim como última palavra, que pertence a Deus, que nos tendo como seus filhos muito amados, não nos deixa entregues ao poder da morte, mas, quando livres do casulo do espaço-tempo, espera ver nosso último voo; aquele que faremos quando formos inseridos definitivamente no Reino da Beleza.

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Por, Diácono Eduardo César

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