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11/05/2014: "Pastor de pastores"

Comentário ao Evangelho do 4º Domingo da Páscoa: Jo 10, 1-10

Sarcófago do Bom Pastor - três pastores e vinhas, sec. 4 dC

É possível que nenhuma geração, desde o advento do espírito humano, tenha acessado tantas alternativas quanto as que nós experimentamos hoje. Até um rápido olhar revela a imensa quantidade de recursos que hoje são postos à disposição de nosso bem-estar, quase todos inimagináveis até bem pouco tempo atrás. É possível que nossos avós jamais sonhassem com o mundo que hoje se descortina à nossa vista. Nunca conhecemos tanto sobre nós mesmos, sobre nosso funcionamento orgânico, sobre os meandros de nossa consciência e nossa memória. Sabemos sobre o universo mais do que todas as gerações anteriores juntas – embora isso ainda signifique irrisoriamente pouco. Conhecemos, mesmo que rudemente, os princípios sobre os quais se assenta o equilíbrio do planeta e as leis que o regem. Nunca vivemos tanto tempo, graças às conquistas da medicina. Alimentos são produzidos em escalas cada vez maiores. De modo inédito, as informações são compartilhadas por milhares de pessoas ao redor do mundo e os meios de transporte nos permitem ir aonde jamais teríamos imaginado.

Nada disso, entretanto, tira de nós a sensação de inacabamento que nos é própria. Um sentimento de vazio, de incompletude, de desamparo. E, em nosso sofisticado cotidiano, não são poucos os que se debatem à procura de uma saída para angústia que os assola, para os limites que os oprimem, para o medo que os imobiliza. Um estado de desconsolo semelhante ao dos discípulos de Jesus que, mesmo tendo ouvido suas palavras e o seguido em cada curva do caminho, sentiram-se incapazes e abandonados após sua morte. Encurralados pelo desânimo, acuados pelo desalento, constrangidos pela desesperança, perdidos na escuridão à procura de uma saída – não muito diferente de nós, em tantas situações de nossa vida.

Talvez por isso, este 4º Domingo da Páscoa nos apresente Jesus como a “Porta” das ovelhas, por onde elas entram, saem e encontram sustento. Não uma simples passagem pela qual se atravessa de um lugar a outro, sem que ela mesma pertença a lugar algum. Mas uma Porta que, passando da morte à vida, se identifica simultaneamente conosco e com Deus, com nossa vida de escuridão e com o clarão que nos é oferecido. Uma Abertura aos limites impostos pelas fragilidades e os orgulhos, uma Fenda para além do sofrimento, um Respiro às agruras da morte.

Mas de que modo se passa por essa Porta, que é Jesus? O Evangelho oferece três indicações. A primeira é “reconhecer a sua voz”. Implica intimidade com ele – entre tantas vozes, verdadeiras e ilusórias, que palavreiam à nossa volta e dentro de nós. Um reconhecimento nem sempre fácil, conforme nos mostram os relatos do Ressuscitado, mas decerto possível e necessário.

Em segundo lugar, se Ele é o Bom Pastor, é preciso se deixar conduzir por Ele. Num tempo como o nosso, em que certa compreensão da liberdade individual parece aniquilar o outro em sua dignidade de ser e o indivíduo ascende à suprema referência de si mesmo; num momento em que o sonho de autonomia humana ultrapassa a arrogância e sonha-se proprietária indiscutível de si mesma, mais que nunca parece necessário nos restituir o horizonte da pequenez, deixando-nos conduzir por Outro. Pois, no fundo, bem sabemos: não somos donos do mundo, nem de suas riquezas e sua beleza, nem das pessoas que amamos, nem de nós mesmos, nem da própria vida. Fomos apenas agraciados com tão preciosos dons. E, se por vezes não sabemos guiar os rumos de nossa própria história, é preciso reaprender a nos deixar conduzir pelo Mistério que nos origina, conduz e sustenta.

Por fim e consequentemente, é urgente recuperar a dimensão do cuidado. O “pastor” talvez seja o ícone de nossa condição humana: abandonados entre a amplidão dos céus, cujas estrelas nos fazem companhia, e a dureza da terra, entre seus perigos e alegrias. Peregrinos, sim, mas acima de tudo cuidadores da vida, dispostos a desvendar em cada gesto de ternura e generosidade as centelhas do Eterno. Pastores do mundo, a exemplo do Pastor de nossas vidas.

Que o Cristo Bom Pastor nos encontre dóceis a seu pastoreio, ansiosos por ouvir sua voz e dispostos a segui-lo, por onde ele vá. E que, com os olhos fitos nele, descubramo-nos também pastores, cuidadores das pessoas e do mundo, abertos à eternidade: vida em abundância.

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Por, Frei João Júnior ofmcap

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