Reflexões Dominicais

17/04/2016: “Ouvidos afiados…”

Comentário ao Evangelho do IV Domingo da Páscoa: Jo 10,11-18

papa-ovelha-reflexao

À entrada do Templo, no Pórtico de Salomão, lugar muito frequentado e protegido do forte vento; é aí que Jesus se encontra quando se dá esse diálogo entre ele os judeus que o cercam. O contexto é o da festa da Dedicação (Hanuká) que celebra a consagração do templo recuperado pela resistência dos macabeus em 164 a.C., depois que ele fora profanado por Antíoco IV Epífanes em 168 a.C. Em sinal de alegria, em meio ao inverno pesado, acendiam-se luzes em todo o território para recordar essa vitória. Por isso também, essa festa é conhecida como festa das luzes, pois, para cada um dos oito dias da festa, acendia-se uma das velas do candelabro de oito braços (hannukiah).

É em meio a uma festa, que Jesus continua sofrendo o rechaço dos judeus. Paradoxo gritante, aliás, é perceber essa tendência à violência, à rejeição em meio aos contextos festivos, quase para dizer que a verdadeira alegria, o vinho novo (cf. Jo 2), não é recebido. Os judeus se amotinam em volta de Jesus porque querem saber abertamente, sem meias palavras dessa vez, quem ele é (cf. Jo 10, 24) – não conseguem ver nem crer (cf. Jo 9, 40ss). A isso Jesus responde dizendo que eles não conseguem crer, porque não são suas ovelhas e, portanto, não reconhecem sua voz. É uma questão de saber olhar, de saber escutar… Mas, podemos ter ouvidos e não ouvir, ter olhos e não ver… E isso não diz respeito somente à indiferença ou insensibilidade, mas também – e talvez principalmente – àquilo que decidimos, que escolhemos e preferimos ver… O problema, então, não é do pastor: esse chama, convida a segui-lo…

Mais uma contradição berrante: estão tão preocupados com dizer quem Jesus é, que não escutam sua voz, não o seguem. Não seria também isso, um banho de água fria em todo estudo desencarnado, à respeito de Jesus Cristo (cristologia), que se importa tanto sobre como falar sobre ele (ortodoxia), que esquece o próprio Jesus e sua voz (que nunca falou sobre ele mesmo, ironicamente). Sua voz queria nos atrair para as misericórdias de Deus… Como o canto do amado à sua amada, que pretende arrancá-la para fora da casa… Como a voz do trovador, ou do poeta, ou ainda do artista que faz sonhar, que arranca a nossa vida da estreiteza dos minutos e nos põe para saborear a vida eterna… Um santo, uma vez, disse algo semelhante, sobre essa atração divina: “Seduziste-me Senhor e eu me deixei seduzir”… (São Francisco).

Que todos se encontrassem não mais simplesmente sob o Pórtico de Salomão, mas sob a proteção de seu amor… Que a festa não fosse mais só para recordar a dedicação do templo, acendendo luzes, mas que a nossa própria vida fosse um templo para Deus (vida eterna)… Que a luz mais forte fosse aquela acesa com nossa palavra e com nosso cuidado dentro do inverno pesado de nossos percalços e tristezas… Não foi isso o que Jesus mais desejou? Que sua voz atraísse a todos, às fontes tranquilas… “Nunca mais terão fome, nem sede. Nem os molestará o sol, nem algum calor ardente. Porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor e os conduzirá às fontes da água da vida. E Deus enxugará as lágrimas de seus olhos” (Ap 7 16s).  É o que faz um pastor, sumariamente: cuida das ovelhas.

Cuidado é uma palavra muito falada em nossos dias. Por que o temos abundantemente ou por que muito nos falta? De um lado vemos cuidadores exaustos, de outro, gente cuidando só do seu próprio ego. O mundo de vidas editadas no facebook, a cultura da performance e seus ditames de felicidade, toda a gente bem analisada, bem resolvida, tudo isso, não passa de maquiagem para o nosso desalento, para a nossa solidão. Conquanto queiramos ser amados, fugimos de realizar esse sonho entre desculpas, receios e sabotagens.

Pastores somos todos. Da vida que nos foi dada, da palavra que dizemos, das realidades que nos circundam e estão nas nossas mãos, dos outros que necessitam de cuidado… Mas também somos ovelhas, cordeiros, com carências e desejos, com alegrias e tristezas, aparando-nos mutuamente a outros pastores-ovelhas. Jesus é o Pastor que nos quer abrigar sob a tenda de sua Palavra… Sua voz nos atrai para lá. Mas ele também é o Cordeiro do Pai. Interessante notar isto em Apocalipse, por exemplo: “Por que o cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor…”. (Ap 7, 17). Não é que somos chamados a ser também: cuidadores que se deixam cuidar? Pastores e ovelhas?

Um convite sem muitas solenidades ou pompas, como o de um pastor que ama a suas ovelhas, é esse o convite de Jesus. Só o medo da verdadeira vida pode nos enganar, só o barulho e as inúmeras vozes que gritam de todos os lados podem nos roubar dessa voz divina. Que não nos faltem ouvidos afiados, pois…

______________

Por, Pe. Eduardo César

Adicionar comentário

Clique aqui para postar um comentário

Assine a nossa newsletter

Junte-se à nossa lista de correspondência para receber as últimas notícias e atualizações de nossa equipe.

You have Successfully Subscribed!