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20 de julho: Dia Internacional do Amigo

De todos os amores possíveis, considero o da amizade o mais significativo. O poeta Vinícius de Moraes dizia: “suportaria, não sem dor, perder todos os meus amores, mas enlouqueceria se perdesse todos os meus amigos”. A amizade desperta em nós algo que desconfio que algum outro relacionamento seja capaz de provocar. Uma amizade sólida e recíproca tende a resgatar o mais genuinamente humano nos parceiros envolvidos.

Há um filme intitulado de “e se vivêssemos todos juntos” com a renomada atriz norte-americana, Jane Fonda, no qual se tematiza a solidão na velhice. Nele, os personagens centrais formam um grupo de amigos que, após os anos de juventude, resolvem dividir uma mesma casa a fim de cuidar uns dos outros. A cena mais comovente do filme, em minha opinião, é precisamente a última. Nela, o esposo da personagem de Jane mostra sinais acentuados de demência. Após o funeral da esposa, ele vai ao encontro dos amigos no jardim da casa e lhes pergunta por ela. Eles se entreolham e nada dizem. Ele então sai e começa a chamar pela esposa. Os amigos, um a um, vão se levantando e se põem também a chamar pela amiga já falecida. O enredo não deixa dúvidas: somente uma amizade verdadeira é capaz de fazer uma pessoa assumir, inclusive, as loucuras de um amigo.

Na Bíblia, há uma passagem consagrada à amizade: Eclo 6, 5-17. Nela, o autor sagrado evoca essa realidade rara: a amizade. Segundo ele, as relações tomadas de assalto não se equiparam à nobreza daquele sentimento. Para sabê-la autêntica é preciso “prová-la” como se prova o metal mais nobre ao fogo. Se, por um lado, somos capazes de nos relacionarmos com “mil pessoas”, é preciso prudência e atenção para nos decidir por um que seja reconhecido como amigo, e a esse poder confiar o nosso coração. O texto continua evocando as minúcias da amizade, com ressalvas, inclusive, para as falsas, “porque há amigo de ocasião: ele não será fiel no dia de tua tribulação”, adverte-nos.

Amizade-o-tesouro-do-Coracao

O referido trecho é uma das passagens mais belas, presente nas Sagradas Escrituras, acerca do philia (amor de amizade). Sublinha o texto:

“Amigo fiel é poderoso refúgio, quem o descobriu, encontrou um tesouro. Amigo fiel não tem preço, é imponderável o seu valor. Amigo fiel é bálsamo vital e os que temem o Senhor o encontrarão. Aquele que teme ao Senhor regra bem suas amizades, pois tal como ele é, assim é seu amigo” (Eclo 6, 14-17).

Quem vive a experiência da fé sabe que até das trivialidades da vida a providência de Deus cuida. Imagine de algo tão valoroso e necessário como a amizade. Temer o Senhor, diz o Eclesiástico, é condição certa para se encontrar este amigo que é um tesouro. Deus cuida inclusive disso: de nos prover de amigos. Ele bem sabe que precisamos deles. Afinal, um amigo leal e sincero, verdadeiro e fiel, antecipa-nos o céu.

Disso, até mesmo Jesus estava convencido: “Eu não vos chamo servos, por que o servo não sabe o que faz o seu Senhor. Eu vos chamo amigos…” (Jo 15,15). Esta deferência não é exclusividade dos discípulos do tempo de Jesus. Esta declaração de amor d’Ele continua ecoando no tempo e chega aos nossos ouvidos, mas, sobretudo, ao nosso coração. Ele nos tem como amigos. Amigos a exemplo de Marta, Maria e de Lázaro.

O Evangelho de Lucas (10, 38-42) diz que Jesus, indo para Jerusalém, resolveu pernoitar na casa de seus amigos. Quando chegou, Marta o recebeu na porta. E porta, aqui, diz da entrada do povoado de Bethânia. É que um amigo a gente vai longe buscar, e, quando vem, a gente se prepara desde muito cedo para recebê-lo. O evangelista diz que se hospedando ali, Jesus estava entre íntimos. E com a intimidade, sabemos, perde-se a reverência. Marta não teve cerimônias em pedir que Jesus repreendesse Maria por ter se colocado aos pés d’Ele, enquanto ela se ocupava da casa e, certamente, de algo para lhes dar de comer.

É evidente que Jesus não fora sozinho à casa daqueles amigos em Bethânia. Seus discípulos estavam com ele. Marta, como boa anfitriã, queria servir-lhes “do bom e do melhor”. Maria, no entanto, saudosa e extasiada com a presença do amigo que chegara de longe, pôs-se aos pés d’Ele para ouvir, quem sabe, as últimas novidades. Intimado por Marta para mandar que a irmã fosse ajudá-la nos afazeres do lar, Jesus não se fez de rogado: “Marta, Marta, tu te preocupas demais, com muitas coisas, enquanto uma única lhe seria necessária. E Maria escolheu a melhor parte”. Esta melhor parte a que Jesus fez menção é, neste contexto, a atenção dispensada ao amigo que chegou. Penso que nesse momento, Marta caiu na conta de sua ansiedade e do tempo precioso que estava perdendo. Ela deixa os seus muitos afazeres e se coloca junto com Maria aos pés do Mestre. Um tempo depois, satisfeitas com o colóquio que tiveram com ele, ambas se levantam e, agora sim, juntas, põem-se a servi-los.

É ali, no aconchego da intimidade familiar e amistosa, que o Filho de Deus nos ensina o valor da amizade. Neste ínterim: O que um amigo pode fazer, efetivamente, pelo outro? Um amigo pode nos chamar do sepulcro mais profundo: “Lázaro, Lázaro, vem para fora!” (Jo 11, 1-53). Isso, de fato, só um amigo o pode fazer. Afinal, quem mais ousaria adentrar em nossas fossas mais íntimas para assumir conosco os desprazeres mais aberrantes? Isso seria impensável para um mero conhecido ou alguém que não comunga de nossa existência. Não se pede, não se espera e não se recebe isso de um qualquer. Pois, somente um amigo se colocaria ali, onde justamente os estranhos não se atreveriam sequer a cruzar o limiar, ainda que chorosos. Eles não conseguiriam transpor esse limite existencial. Apenas um amigo seria capaz de arriscar a própria pele, sujar as próprias mãos, os pés e mergulhar inteiro, se preciso for, nos lodaçais alheios.

Isso fez Jesus por Lázaro. Ele sabia que indo à casa de Marta e Maria, naquele momento e naquela situação, estaria arriscando a sua própria vida. Era o estopim que faltava, a gota d’água, para que o mar revolto dos fariseus e saduceus pudesse transbordar. E disso nos garante o evangelho de João. Naquele dia, em que Ele chamou Lázaro de novo à vida, os seus inimigos tiveram o motivo que faltava para decretar a morte de Jesus.

Nesse sentido, a morte de Jesus também nos ensina: somente quando morremos para nós mesmos é que nos abrirmos ao encontro verdadeiro com alguém que seja totalmente outro, diferente de nós. No egoísmo e no ensimesmamento, ninguém é capaz de se arriscar a este ponto.

A verdadeira amizade tem valor curativo. Ela não apenas nos “ressuscita”, mas também desata as nossas armadilhas e nos concede mobilidade de ir e vir. Libertando-nos dos nossos aprisionamentos, o amigo nos alimenta do pão necessário para nos manter de pé. É graças a amizades assim que nos tornamos saudáveis e plenificados de vida. E ela pode ocorrer em todos os estágios da vida, até mesmo entre pessoas de gerações diferentes. Ela sempre nos põe na ordem do dia. Situa-nos no tempo e nos convida a revisitar o passado e a planejar o futuro. Faz-nos viver. Retira-nos do suspenso e nos convida a tocar o solo e a senti-lo sob os nossos pés. A alma humana tem necessidade desses encontros. Eles nos tornam melhores. Os amigos tornam mais leve a nossa jornada e mais suportáveis os dias quando maus. Na dor, a palavra e a presença amiga é bálsamo que alivia. Um amigo, quando não lhe resta nada mais a fazer, chega, depõe sua mala no canto, desliga-se do mundo, senta-se bem próximo, toma a nossa mão e, olhando-nos nos olhos, diz: “estou aqui”. E, se chorarmos, abraça-nos e chora conosco. Aí, não há pressa nem agenda. O tempo para.

Um amigo sempre se alegra com as nossas conquistas mais empenhadas. É do feitio dos amigos encontrar motivos, ainda que sejam os mais banais, para estarem juntos. Por isso, é preciso saber cultivar boas amizades. Elas são frutos da generosidade: algo que emociona e comove. Só um amigo verdadeiro não se ausenta quando o outro é exposto, humilhado ou se vê perdedor. Às vezes, o amigo não compreende de todo, mas, por que amigo, então se faz próximo; ouve, corrige, suporta e espera. A paciência é dom que na amizade há que se fazer sempre presente. Sem ela, o perdão não prospera, a correção torna-se espada cortante e o bálsamo não preenche as feridas abertas. Só o tempo é capaz de nos afirmar, indubitavelmente: “Eis um amigo”!

Se por um lado a fé nos garante que a amizade virá com certeza para aqueles que temem ao Senhor, também é verdade que precisamos aprender com o Mestre o que é ser amigo. Afinal, o amigo é capaz de doar a sua vida em troca da do amigo. (cf. Jo 15,13). Eis o amor ate às últimas consequências: a incomensurabilidade do amor. Feliz de quem, na vida, soube ser e tiver encontrado bons amigos.

Ensina-nos, Senhor, a sermos amigos como Tu foste para os teus discípulos; para Marta, Maria e Lázaro, especialmente. E abençoa os meus amigos e minhas amigas. Amém.

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Por, Diácono Claudemar Silva

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