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29/03/2015: "Na docilidade da entrega"

Comentário ao Evangelho do Domingo de Ramos: Mc 11,1-10 / Mc 14,1 – 15,47

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Num dia inesperado, o mais inesperado de todos os dias – assim rezava a esperança de Israel –, o Messias finalmente adentraria a Cidade Santa, Jerusalém; realizaria as esperas do povo, regadas em tempo de grandes sofrimentos; expulsaria os opressores e restauraria o trono de Davi; tomaria posse do que era seu e inauguraria o Dia do Senhor, quando “verdade e amor se encontrariam, justiça e paz se abraçariam, da terra brotaria a fidelidade e a justiça olharia dos altos céus” (cf. Sl 84,11-12). Essa é imagem que Marcos tem diante de si, quando narra a entrada de Jesus em Jerusalém. Com essa cena, descortina os acontecimentos finais da vida de Jesus (e os eventos fundantes da fé da Igreja), quando finalmente os discípulos compreenderão quem o seu Mestre realmente é. Uma obra messiânica bastante avessa, é verdade: não liberta do poder romano, não livra dos sofrimentos e dos dramas da história; mas oferece a cada um a estatura de filho do Pai e a necessária esperança de uma vida maior que toda morte. Zacarias já advertira: que não se duvide da realeza daquele que vem montado num jumento (cf. Zc 9,9).

Mas como compreender que o homem derrotado na cruz, cuja vergonha e fracasso foram expostos a tantos quantos quisessem ver, aquele que não salvou sequer a si mesmo da tragédia da morte – como dizer dele: “é o Senhor”? Como dar o salto da fé, capaz de enxergar, por entre o suplício e o abandono, a vitória do Ressuscitado? Esse foi o dilema das primeiras comunidades, o escândalo diante do qual precisaram se justificar. E é o mesmo mistério que se põe a todo cristão, quando diante do Mistério da Páscoa de Jesus.

Pode parecer estranho que, ainda fora de Jerusalém, Jesus envie os discípulos para providenciar os preparativos de sua chegada, sobretudo porque prediz o que encontrarão e já aconselha o modo como deve agir. E, chegando ao lugar indicado, os discípulos encontram tudo como o Mestre havia dito. Com isso, o evangelista diz: é Jesus quem está no comando da própria morte. Isso não significa que a trama armada contra Jesus seja uma farsa, ou menos ainda que Jesus procure a morte por vontade própria ou por obediência a uma determinação prévia do Pai que o envia desde sempre “para morrer”. Não! A morte de Jesus foi consequência de sua vida e de sua palavra. A ciranda de maldade, inveja, interesses, covardias e traições que se teceu à sua volta não foi um plano presciente de Deus, mas resultado das fraquezas e das misérias humanas, cuja responsabilidade recai sobre cada um dos envolvidos. Uma vez que Jesus se pôs em conflito, por fidelidade à palavra do Pai que o movia desde dentro, com o poder sacerdotal e romano, sua morte seria inevitável.

Que fazer, então? Fugir Jesus para bem longe, deixando para trás, sob a tirania da injustiça e da violência, todos aqueles a quem tinha pregado a esperança e paz? Voltar atrás, renegando as mesmas palavras que devolveram a vida a tantos já condenados à morte da desesperança? Morrer revoltado contra a ingratidão dos seres humanos e afogado nas próprias lágrimas, lamentando o próprio destino injusto? Poderia ter sido assim. Mas, se fosse esse o fim da vida de Jesus, ele jamais seria o Salvador, mesmo que morresse banhado em sangue e pendente da cruz. Pois não é do sangue brutalmente arrancado que brota a salvação, mas do sangue entregue.

Jesus está no comando da própria morte – garante o evangelista. Diante da cilada inevitável, Jesus escolhe viver a própria morte como entrega total de si mesmo, como capitulação de sua vida, toda ela já vivida como entrega. Jesus, entregue à morte pela soberba e a covardia, entrega-se nas mãos dos homens e do Pai, num gesto derradeiro de confiança em ambos. No dizer dos antigos Padres da Igreja: Jesus sorveu até a última gota o veneno da amargura e do sofrimento, mas fez com tamanha liberdade e corajosa confiança que o devolveu em forma de doçura e remédio às nossas dores. No entrega de seu corpo e no derramamento livre de seu sangue, está aberto o caminho da ressurreição. Zacarias tinha razão: montado num jumentinho, pequenino, à mercê dos malefícios do mundo dos homens e em breve com a cruz às costas, ali vai o Rei, o Messias de Israel, nosso Senhor Jesus, o Cristo de Deus. A salvação que dele nos advém é um dom único e irrepetível do Pai. Mas o caminho redentor aberto por seus pés feridos pode bem ser imitado. Porque também a nós esta verdade é preciosa: quando assumimos os sofrimentos inevitáveis que nos são impostos e os vivemos com a convicção da entrega, eles já não nos arrancam de nós mesmos; pelo contrário, somos nós que os atravessamos, damos a eles sentido e, com Jesus, somos ressuscitados nas mãos de Deus.

Que este Domingo de Ramos nos recorde e adentre o mistério da Páscoa de Jesus, que mergulhou até os abismos mais tenebrosos do coração humano, para de lá voltar trazendo consigo tudo quanto podemos ser, no sonho de Deus: ressuscitados com ele.

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Por, Frei João Júnior, OFMCap

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