29 de dezembro de 2013 / Sagrada Família
Uma noite em que “o céu e a terra trocam seus dons” – assim a Oração sobre as Oferendas descreve o mistério da Encarnação, na noite do Natal. Nela, nos lembramos de que Deus sempre se nos dá, se oferece a nós como supremo dom a ser reconhecido e amado. E como o faz? Fazendo-se um de nós, vestido de nossa natureza, adentrando a nossa história. E, das mil maneiras de fazer parte de nossa vida, a divina Presença principia pelo choro e o sorriso de uma criança, já demonstrando o modo como pretende se revelar a nós: a profunda transcendência que habita as fragilidades mais humanas.

É, sem dúvida, uma “troca de dons entre o céu e a terra”. Pois, se é verdade que Deus se nos oferece, revelando-se não contrário ao mundo, mas apaixonado pela sua Criação, é também verdade que, pelo mesmo mistério, nós nos oferecemos a ele, em tudo aquilo que de mais encantador e miserável podemos encontrar em nossa humana natureza. E ele tudo assume, sem rejeitar nada, uma parte sequer, pois “o que não foi assumido não foi salvo” (Gregório de Nissa, † 394).
Assim, se compreende o texto de Mateus, proposto para a festa deste domingo (Mt 2,13-15.19-23). Por um lado, a tirania covarde de um rei ameaçado em seu poder, que resultará numa grande chacina de inocentes. Pois, quase sempre, são inseguros os tiranos – políticos, econômicos, civis, militares ou religiosos – e a afirmação desmedida de seu poder reflete, no fundo, o vazio de seu coração e a tibieza de sua alma. De outro lado, o cuidado de um pai e uma mãe amorosos, que velam pela segurança do recém-nascido e, por causa dele, empreendem grandes andanças. Em seus passos, refazem o caminho do povo de Israel pelo Egito, até se estabelecerem na periferia do mundo judaico, a Galileia, cumprindo a seu tempo todas as Escrituras – assim dirá Mateus. E é nesse conflito, feito de dramas tão humanos, que o Verbo de Deus começa seu anúncio silencioso de Boa Notícia.
Pois sagrado é o amor. Seja o amor que desce dos céus e se faz irmão, à mercê das maldades dos homens, necessitado e frágil, dependente dos cuidados maternos e da vigilância paterna; ou o amor que acolhe e protege, vela e ama, que deixa mudarem os rumos da própria vida e, aos poucos, faz-se um só com o que lhe vem ao encontro… Sagrada é, pois, a família, emoldurada pela Família de Nazaré, mas também as famílias de nossas casas, de todos os lugares. Pois, se foi lá que a Palavra de Deus encontrou sua morada, é também nas nossas famílias, com todos os seus dilemas e impasses, conquistas e fracassos, que a Palavra pode ainda encontrar sua habitação e nos falar. Sim, pois não há gesto de amor, esforço de compreensão, necessidade de acolhida ou dom de perdão que não sejam sinais de Deus – o mesmo Deus que, no brilho dos olhos do Menino, pousou em Nazaré.
Que, celebrando a Sagrada Família, nos recordemos do dom precioso de todas as famílias, dos pais e das mães, dos filhos e dos avós, ou de quaisquer pessoas que, unidas pelo amor sincero e a doação recíproca, constituam verdadeira família, em que Deus faça morada.
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