Comentário ao I Domingo do Advento: Mc 13, 33-37
De urgência em urgência, o tempo nos escapa. Exaustos das exigências do agora, quase nunca paramos para refletir sobre a construção do futuro. Não terão os nossos dias, nos confinado no presente, impedindo nossa esperança?
Não é o desespero, como diria o teólogo Jürgen Moltmann, a mais séria objeção contra a esperança, mas sim a humilde aceitação do presente, como se só neste instante breve e fugidio, o homem pudesse ser contemporâneo a si mesmo[1]. Enquanto se lembra do passado, ou quando se lança na fantasia do futuro, o homem não vive o agora; ao lembrar-se de ter amado ou ao esperar amar, não ama; assim também, caso se lembre de dias felizes, ou caso apenas espere um dia tornar-se feliz, jamais estará em si mesmo, em seu presente, responsável diretamente por sua própria felicidade. Ligado ao passado, o homem corre atrás do que foi; ao futuro, antecipa-se ao que ainda não é. Não deixa de ser verdade, mas por causa disso, muitos se desencantaram da esperança, desiludiram dessa encantação que parece nos arrancar de nós mesmos e nos lançar para o ainda-não… Entretanto, bradar o “não ao futuro”, em nome “do eterno sim do ser” ao agora, não será uma ilusão ainda pior; a de que estamos presos irrevogavelmente ao presente, enquanto na verdade somos memória e promessa?
É possível estar presente ao instante se, ele mesmo, é breve e se de cada momento, salta um novo momento? Deste segundo, salta outro que pode ser surpreendente. O movimento não deixa o presente se interromper, mas o torna futuro imediato, agora e de novo. Há como não esperar nada, se a vida é advento de dias, de encontros, de realizações, de projetos? É claro que devemos estar atentos à vida, pois o que fazem conosco a fé e o amor, e também a cruz e a dor, senão nos tornarem inteiramente presentes? Mas isso não é o mesmo que estar confinado no agora, pois a mesma fé que professamos é memória de uma promessa, cumprida e realizada, atualizada continuamente… O amor que amamos é sonho e saudade, uma espécie de instante zero, de eternidade já aqui… E a cruz e a dor, são o quê, senão a densidade do já e a expectativa do melhor, que ainda não surgiu? Somos, portanto, o tempo que se passa em nós.
Deus também não é o presente eterno, mas Aquele que se revela no Alfa e Ômega da história (Ap 22, 13). Ele mesmo é o nosso princípio e nosso fim. O que cria e leva ao acabamento. Aquele que é, que era e que vem (Ap 1, 8). O Deus que esperamos, como que na aurora de um novo dia. Deus se explica na história
É por isso que a Igreja propõe todo ano, este período inclinado para o futuro; um tempo de esperança em que acordamos para a realidade do que somos: nem passado, nem presente, nem futuro; mas presenças-de-memória-e-desejo. Acordamos para o fato de que o “aí de nosso ser”, o agora de nós, é esperante. O tempo do Advento nos serve, igualmente, para despertarmos para o Deus que nos espera. Um tempo que coloca o Deus que vem, à porta; tão logo ele bata, é preciso estar atento e abrir-lhe o coração (Ap 3, 20). Um tempo que nos prepara para acolher o Mistério de Deus e o Mistério do Homem, na face de um frágil recém-nascido.
O Evangelho desse domingo nos inspira, nessa linha, vigilância. Estar desperto não é certamente ficar preso às sombras do passado, nem perdido em projeções futuristas, mas trabalhando o presente. Não dormindo, como fazemos constantemente, quando não estamos presentes a nós mesmos, “ligados no piloto automático”. Que o Senhor não nos encontre dormindo é também uma provocação, para que não cedamos à dormência que o presente pode gerar se não alimentarmos nossa esperança, esquecendo-nos de que Deus vem.
A esperança cristã põe-nos em contato com o coração de Deus, que por ser só amor, não pode não esperar ou não ter fé na humanidade. Não há melhor maneira, então, de permanecer vigiando, senão com o coração cheio de esperança, enquanto pela mesma esperança já possuímos aquilo que não vemos (Hb 11, 1). A esperança nos impede de ficarmos clausurados no agora; a vigilância, de ficarmos enclausurados no futuro, ou no passado.
Finalmente: se a vida com suas urgências e correrias, ou a hipersensibilidade a qualquer frustração não nos permitem mais cultivar a esperança que salva, melhor que esse tempo que a Igreja nos propõe seja também o advento da própria esperança. Jesus é, afinal, a esperança para a humanidade que, de tempos em tempos, esquece sua verdadeira grandeza. Jesus é a nossa esperança, porque não negando nossa vida, a assumiu, recolhendo o que éramos e fazendo-se promessa do que seremos. Não há vida possível sem esperança, por mais que relutemos. Não é por outro motivo que na entrada do Inferno de Dante está escrita a sentença: “Abandonem a esperança os que entram aqui”… Pois assim é: toda vida humana se converte num verdadeiro inferno, caso se esqueça de um de seus maiores traços constitutivos…
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Por, Pe. Eduardo César
[1] Cf. Teologia da Esperança, de Jürgen Moltmann.
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