Vocacional

A Conversão de Clara de Assis

A conversão é sempre um ato humano-divino, inicia-se na consciência, forja-se nas ações e se manifesta nas entrelinhas das relações humanas. Por seu caráter humano-divino, deve ser, antes de qualquer coisa, um itinerário, que tem início em um momento específico, como fiat – luz – mas, que continua ao longo da vida, através de pequenas e graduais conversões diárias.

Toda a vida é um itinerário de conversão. Foi assim com os grandes santos da História da Igreja, desde os primeiros séculos até os dias de hoje; muitos santos, os quais sabemos os nomes, e outros, que nem sabemos sua identidade, detalhes de suas vidas de santidade, bem-aventurados que permanecem no anonimato, diante dos olhos humanos, mas nunca diante dos olhos de Deus.

Muitos santos e santas morreram no anonimato de uma vida desconhecida e, não raras vezes, incompreendida e desvalorizada. Como esses foram chamados por Deus e deram a sua resposta, nós também o somos, no mistério da Morte e Ressurreição de Nosso Senhor. Somos convidados, cada instante, a subir o monte de nossa própria santificação.

Neste ensaio teremos como companheira de caminhada e exemplo a vida de Clara de Assis. A jovem Clara foi banhada em virtudes e no temor amoroso a Deus, sua alma sempre se impulsionou para o alto. Nosso Senhor, sempre lhe dispôs os meios necessários para isso, por sua Graça e Amor derramados. Essa realidade evidencia-se, em primeiro lugar, pelo surgimento na sua vida e história do pobre de Assis. Disso temos tantos testemunhos, um deles se dá por suas próprias palavras em seu Testamento: 

Depois que o altíssimo Pai celestial, pouco depois da conversão do nosso bem-aventurado Pai São Francisco, se dignou iluminar-me o coração para que, seguindo-lhe o exemplo, fizesse penitência, segundo a luz da graça que o Senhor nos comunicou através da sua vida maravilhosa e da sua doutrina, prometi-lhe voluntariamente obediência juntamente com as poucas irmãs que o Senhor me tinha dado, logo depois da minha conversão.[1]

Clara, conhecendo a fama de Francisco, homem novo, pelas virtudes e ações, quis, movida pelo Espírito Santo, conhecê-lo. Ele, sabendo de sua boa fama, visitou-a. Suas palavras encorajam a nobre dama, de mais reta intenção, a desprezar o mundo e suas falsas esperanças. A nobre dama é uma pessoa que tem a alma aberta a Cristo, ao amor de Deus e a sua Santa Vontade. Por isso, reservou sua vida e sua pureza virginal ao amor do Esposo, desejou fazer de seu corpo um templo só para Deus. Sua personalidade forte se manifesta, ao recusar-se ao casamento em uma época que a mulher não tinha vez nem voz, e tinha de se fazer ouvir. Nesse movimento, Clara tomou Francisco como pedagogo de seu caminho para Deus, para Cristo seu Divino Esposo.

Ouvindo falar de Francisco, cujo nome se ia tornando célebre e que, como homem novo, renovava com novas virtudes o caminho da perfeição tão abandonado pelo mundo, desejou vê-lo e escutá-lo. Neste propósito era movida pelo Pai dos Espíritos (Heb 12, 9), que, por diversos caminhos, a ambos conduzia. Na verdade, a fama de tão prendada menina, despertou em Francisco a vontade de a ver e de com ela dialogar. Levado de zelo pelo Reino, alimentava a esperança de arrebatar esta tão nobre presa à perversidade do século (Gal 1, 4) e entregá-la ao seu Senhor. Visitava-a ele, e ela mais vezes a ele. Mas as visitas eram espaçadas, não dando azo a que qualquer pessoa se apercebesse daquela santa amizade e se corresse o risco de ser desacreditada na opinião pública. Quando Clara saía de casa e se encontrava a sós com o homem de Deus, cujas palavras a inflamavam e cujas obras lhe pareciam sobre-humanas, era acompanhada somente por uma amiga. O Pai São Francisco exortava-a a desprezar o mundo. Demonstrava-lhe com vivacidade como é ilusória a esperança terrena e insensatos os atrativos mundanos. Procurava convencê-la da doçura da união esponsal com Cristo e convidava-a a guardar a joia da virgindade para Aquele ditoso Esposo que por nosso amor se fez homem.[2] 

Clara indica-nos o caminho. É uma pessoa aberta à Graça de Deus. Busca fazer uma experiência que tem como fundamento o amor de Deus e nele busca fundamentar seu itinerário. Mostra-se, em suas atitudes e passos prudentes, uma pessoa de boa índole e retíssima intenção. Desse modo, a conversão esculpe, com um grande, mas delicado formão, no coração e alma, e na mais profunda realidade de si mesmo, o caminhar na radicalidade da ação, gestos e condutas, assim foi com Clara de Assis. A finitude do humano, peregrino da conversão, mergulha na infinidade do divino de Deus, de sua santidade.

Iniciar esse itinerário de conversão não é garantia de santidade. O humano que se abre a esse processo aceita a si mesmo em primeiro lugar, suas limitações e defeitos e os combate, amorosamente, por causa de Deus. Faz de seu pecado o terreno fértil da ação de Deus. Assim, a conversão se dá na aceitação de si, aceitação esta que impulsiona e nutre o caminhar como húmus de sagrada sabedoria do alto. Esse húmus de aceitação e busca sincera, traduzido em humildade, faz mergulhar no mar da Graça gratuita e amorosa de Deus.

Clara, ao sair de casa, sabia que estava dando um novo e primeiro de muitos passos. No entanto, não tinha nenhuma certeza de como, nem onde se daria esse processo, estava nas mãos de Deus e com seu coração unido ao Dele. O que para ela importava nesse caminho é deixar-se guiar pela fé e pela plena confiança em Deus. Nas páginas de sua Legenda temos uma descrição belíssima de como passou do século para a Vida Religiosa, depois de convertida:

Temendo que o pó do mundo manchasse o espelho da alma imaculada e não querendo expor a juventude delicada ao contágio do século, tratou o santo Pai de a libertar o mais depressa possível das trevas da vida mundana. Poucos dias antes do Domingo de Ramos[3], a jovem, de coração inflamado e decidida a mudar de vida, procurou o homem de Deus, para inquirir sobre a forma como devia proceder. O santo Pai ordenou-lhe que se apresentasse bem vestida e adornada e que participasse com o povo na cerimônia de ramos e que na noite seguinte deixasse a cidade (cf. Heb 13, 13), transformando as alegrias mundanas em luto pela Paixão do Senhor (cf. Tig 4, 9). Chegado o Domingo, Clara, sobressaindo pelo aspecto festivo, dirigiu-se com os demais para a igreja. Ali, algo de muito significativo aconteceu. Na altura da distribuição dos ramos, Clara ficou modestamente retraída, no seu lugar. Foi o próprio Bispo[4] que, descendo os degraus, lhe fez a entrega pessoal do ramo. Na noite seguinte, obedecendo às ordens do santo, empreendeu a saída tão desejada em companhia de pessoas de sua confiança. Não lhe parecendo prudente usar a saída do costume, optou por outra, abrindo com as próprias mãos e com uma força de que ela mesma se admirava, uma porta que há muito tempo estava obstruída com madeira e pedras[5]. Desta maneira deixou a casa, a cidade e os familiares e apressou-se a ir para Santa Maria da Porciúncula. Os irmãos que à volta do altar celebravam as sagradas vigílias, receberam a virgem Clara com tochas acesas. Ali se libertou da imundície da Babilônia (Dt 24, 1) e repudiou tudo o que era mundano. Renunciando a todos os adornos, consentiu que os irmãos lhe cortassem os cabelos. Não havia lugar mais adequado para testemunhar o nascimento desta Ordem de florescente virgindade, que esta igrejinha dedicada àquela que é a primeira e mais digna entre todas as mulheres, Mãe e Virgem ao mesmo tempo. Foi neste lugar que, sob a égide de Francisco, teve início a nova família dos pobres. Ficou assim manifesto que ambas as Ordens quiseram começar à sombra da proteção da Mãe de misericórdia. Depois de Clara ter recebido perante o altar de Nossa Senhora as insígnias da santa penitência e de ter desposado Cristo como humilde serva, Francisco levou-a para a Igreja de São Paulo, onde deveria ficar até que o Altíssimo dispusesse doutra maneira.[6]

Destarte, voltemos à primeira premissa de nosso itinerário: a conversão é sempre um ato humano-divino. A busca sincera e reta de Clara é fundada na Encarnação de Cristo, feito homem por amor a nós. Através da vida e exemplo de Clara, Deus faz convite para esculpir em cada alma, iniciando-se assim a plenificação do humano no Divino de Deus, isto é, em sua santidade.

Por, Frei Adriano Cézar de Oliveira, OFM

Via: www.ofmscj.com.br

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