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"Cinquentão"

São onze horas da noite. Estou sentado na cama e preparo-me para dormir. O dia foi cansativo e amanhã completo cinquenta anos de serviço a Cristo e à Igreja. Será meu Jubileu Sacerdotal.

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Passam pela minha imaginação, como “flashes”, alguns instantes de meus numerosos dias. É ainda com emoção, que recordo aquela senhora cancerosa a revelar-me: “O senhor será um bom padre, porque estou oferecendo minhas dores e minhas angústias pelo seu ministério”.  Na procissão de entrada, ainda ressoa em meus ouvidos o canto “reunidos em torno de nossos pastores”. Eu quase não percebia as pessoas, pois, as lágrimas insistiam em ser uns óculos a turvarem minha visão. O coração guardava sonhos de discípulos, de intimidade maior com Cristo: “só um cálice, só uma patena em minhas mãos estariam a salvar o mundo”. Minha voz, eu a emprestaria só ao meu Senhor, para anunciar com coragem o Reino. No filme de minha memória, passava agora aquela pequenina avó, uma senhora franzina que enfrentara anos junto de crianças de uma escola, para aprender a ler e, assim acercar-se da Sagrada Escritura. Em dia solene, igreja matriz repleta de fiéis pede-me, humildemente, para fazer a segunda leitura da missa do dia. Foi um desastre, mas, após a lastimável leitura, termina, com o reconhecimento de sua limitação: “gente, foi de coração!”. Vejo-me visitando os doentes – o que fazia durante as terças feiras -, atendendo os fiéis, recolhendo no recinto de meu coração suas lágrimas; desafiando o rapaz a abandonar o amor adúltero, por amor maior a Jesus Eucarístico. Em poucos momentos, fui perpassando pelas contas do longo rosário de minha pobre e rica vida. Muitas vezes, encantei-me ao perceber, nos fios invisíveis de meu existir, o pulsar amoroso do Espírito Santo.

Depois, como de assalto surgiram os “flashes” de dores e angústias, o gosto de sangue na boca para resistir ao mal. Granjeei muitos amigos e não poucos inimigos, mas, não tive tempo para acalentar mágoas e ressentimentos. A “carne” de minha alma, de tantas pancadas, deveria ficar insensível e calejada. Foi uma graça não me ter ocorrido tal tragédia, porque o próprio Jesus ofereceu remédio. Acostei-me ao seu peito, ao tabernáculo, derramei muitas lágrimas docemente recolhidas por Ele. Não me seja permitido, oh Jesus, deixar de chorar, recolhido em meu quarto, na recordação das múltiplas misérias do mundo. Eu sei, enquanto houver um tabernáculo, habitado pelo meu Senhor, fragilizado nas aparências de pão e disposto a recolher os sentidos ais de meu coração e os jubilosos sorrisos de gratidão, continuarei sensível a dor e a alegria. Posso continuar ao seu serviço. Estarei vivo.

Cansado, apago a luz e durmo sorrindo.

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Por, Dom Paulo Francisco Machado

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