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Crônica: Um dia pesado, por Dom Paulo Francisco Machado

Um dia pesado

Por Dom Paulo Francisco Machado
Bispo Diocesano

Hoje, sexta-feira, mal acordei, dei-me com um mundaréu de tarefas como acontece sempre. Logo previ mais um dia alucinante. Falta-me espaço para descrever tudo o que se passou nestas minhas últimas – fico em dúvida, de que elas foram realmente minhas – dezoito horas. Em poucos minutos, numa verdadeira maratona, atropelei asseio pessoal, banho e um parco café da manhã. Depois, reuniões e mais reuniões intercaladas a todo instante por chamadas telefônicas e um ‘passarinho’ coreano a continuamente trinar, avisando-me haver mais uma mensagem na minha caixa de ‘WhatsApp’.

Não me sentia confortável em frustrar o dito pássaro, não lhe dando a devida atenção por seus prestimosos serviços, por isso, entre uma e outra opinião, meus dedos ágeis estavam a dar maquinalmente resposta aos meus seguidores (ou será meus perseguidores). Mesmo na hora almoço o fiel passarinho continuou a me atormentar. Comia rapidamente, como comem as galinhas num imenso galinheiro, à minha frente um prato, não olhava para ninguém, não conversava com ninguém, mas constantemente olhava de soslaio para o écran de meu inseparável companheiro.

Passada a refeição, sequer me foi possível parar um pouco para tirar um rápido cochilo, como todo mamífero faz após sua refeição. Também eu sou um digno representante de sua classe. No meu dia agitado não tenho o direito biológico dos gatos, cachorros, bois de parar para uma boa digestão, todos estes, animais ‘cochiladores’. Tive de correr ao banco para verificar se minhas contas estavam em dia, conforme aplicativo em meu celular de famosa casa bancária “Seu dinheiro é meu”.


Passada a tarde em tarefas atordoantes, volto estafado para casa, mas antes passei na academia para longos exercícios físicos, pois o cuidado com o corpo é tão importante em nossa sociedade que tem vinte e cinco vezes mais academias que bibliotecas e cinquenta vezes mais bares que livrarias.


Ao deitar-me, um importuno pensamento: O que faltou no meu dia, nesta sexta-feira e que certamente faltará no sábado e no domingo?

– Faltou tempo para o meu coração, pois não sou só um corpo que se agita o tempo todo. Nem por um minuto fiz a necessária peregrinação ao íntimo de meu ser, onde residem dois hóspedes que não dialogaram: eu e Deus, Aquele que Santo Agostinho afirmava ser intimíssimo a nós.

– Faltou o precioso silêncio que dá forma, conteúdo e real sentido a cada palavra que pronuncio, ou mesmo, quando necessário, a dedilho no teclado de meu computador.

– Faltou o precioso ócio que me permite ver as cores brilhantes da vida, o lustre do sol, a suave e sinuosa silhueta da montanha além de minha janela.
Faltou-me a poesia da vida, o sentido para cada arfar de meu peito, cada pulsar de meu coração, pois que tudo é graça vinda do Alto.
– Faltou-me olhar para o outro com a devida e justa simpatia: o rosto vincado pelo peso dos anos e do trabalho da anciã que saía da padaria. Em relação a tantas pessoas, fui um espantalho com um rosto sem olhos para ver, ouvidos para escutar; como tranquei no peito um coração glacial.

Faltou tanta coisa porque me distrai de mim mesmo, atirei para longe o meu verdadeiro eu. No trajeto de meu dia, não dei espaço a um amigo tão importante, com quem não partilhei nenhum dos minutos de meu dia: Jesus Cristo. Que discípulo amado sou eu que não recostei minha cabeça no peito do Senhor!


Agora fico a pensar se não foi justamente por isto, que não dei atenção ao choro de uma criança faminta, ao mendigo que estendia sua mão na esperança de recolher uma esmola. Desinteressei-me de todas as causas justas que constroem o Reino de justiça e paz (prefácio da Solenidade de Cristo Rei). Passei meu dia, não o vivi para torná-lo mais bonito para meus irmãos, a sombra de um grande vazio se apossou de mim. Mas, amanhã vai nascer o sol, o “Sol nascente” que me visitará.

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