Um poeta não morre nunca. Um verdadeiro clássico nunca é lido; estamos lendo, continuamente. Um santo, que se preze, é eterno.
Há 500 anos, em 28 de março de 1515, nascia Teresa Sánchez de Cepeda y Ahumada, na Espanha. E, no dia 04 de outubro de 1582, na cidade de Ávila, também na Espanha, falecia Santa Teresa. Sua memória litúrgica é celebrada, no entanto, no dia 15 de outubro.
Carmelita descalça, fora proclamada doutora da Igreja logo após o Concílio Vaticano II, em 1979, por Paulo VI, que afirmou: “estava iniciando o tempo de Teresa”.
Já em 1925, todavia, por ocasião de sua canonização, o papa Pio XI afirmou que Santa Teresa D’ávila foi “a Palavra de Deus para o mundo”.
Hoje, ao celebrarmos o V centenário de seu nascimento, prova-se que os caminhos tomados por uma pessoa podem torná-la eterna, isto é, perdurar seus feitos na história e na memória de um povo, quando não do mundo inteiro, como é o caso de Santa Teresa D’ávila.
De menina tímida e religiosa comum, Teresa Sánchez passou a ser tida como gigante na fé e nas atitudes. É conhecida mundialmente por “Teresona”, apelido que ganhou graças à sua força interior e seu poder de persuasão: “ela não é qualquer mocinha; é muito viril”, se diziam dela à época.
Em tempos de profunda carestia de exemplo cristão, quando se propalava por toda a Europa escândalos envolvendo especialmente o clero, e nos carmelos se vivia um relaxamento sem precedentes, Teresa ousou desafiar as leis eclesiásticas e erguer um lugar de vida austera, de prática acurada dos conselhos evangélicos e da vigilância às virtudes e controle até a erradicação dos vícios, se possível.
Ao longo de sua vida, fundou 17 mosteiros e reformou mais de 20, auxiliada por São João da Cruz, seu diretor espiritual, e Pe. Graciano. Não tinha receio de se expor por aquilo que acreditava. Aliás, dizem os biógrafos de Santa Teresa, que ela arriscou tudo, inclusive sua saúde frágil. Escreveu inúmeros livros, entre eles “o livro da vida”, sua autobiografia, que foi confiscado pela inquisição, “castelo interior ou moradas”, onde apresenta seu método de contemplação e de vivência da espiritualidade profunda com Deus, entre outros. Nesse último, afirmava que a intimidade com Deus se dá por meio da oração, porta que dá acesso ao “castelo”, até a introdução na câmara do Rei, como definiu o seu percurso de ascese.
Se bem “profetizou” Paulo VI acerca desta primeira mulher a ser proclamada doutora da Igreja, os tempos atuais continuam sob a sua égide. A muito o que se aprender com essa mulher “forte e suave”, de personalidade firme e de caráter ilibado.
Da vida de oração, fica a experiência de quem se encontrou com o bem-amado no mais escondido de sua vida: “Deus se encontra na alma como se encontra no céu”. Esta convicção Teresiana resultou em afastamento, inclusive, de alguns de seus diretores espirituais. Afinal, como aceitar que Deus, o sumo bem, perfeição incriada, a suprema graça, o imutável, possa habitar o interior de um homem pecador?
Pois era exatamente este o parecer da reformadora dos carmelos medievais. Nada e nem ninguém tinha o poder e a força de excluir Deus do interior do homem. Deus o habita, e pronto. Fato irrenunciável. Depois, a oração mais profunda, aquela que mais agrada ao Senhor, é a contemplação. Olhar e deixar-se notar. Diante d’Ele, na contemplação, não é preciso que se diga nada. Ele conhece, inclusive, a nossa intenção de lhe balbuciar algumas palavras. Importa, tão somente, deixar-se ficar na presença d’Ele.
O gosto pela oração fez com que Teresa crescesse, auxiliada por seus diretores espirituais, numa ascese em direção àquele que ela chamava de “meu esposo”. De fato, a união entre Deus e Teresa foi de tal forma intensa que, ainda hoje, confundem-na com um desejo puramente sexual.
Isso se deve, talvez, pelo fato de que, muito rapidamente, o homem pós-moderno se esquece de que não há relação possível que prescinda da erótica, pois a sexualidade é presente em toda e qualquer situação, desde um simples ouvir de música até o mastigar do alimento preferido, e de uma aprazível conversa entre amigos.
Teresa, no entanto, sem os pudores dos modernos e dos hipócritas, se deixa levar pelas asas do “amado de sua alma”, e se refastela prazerosamente n’Ele. Ela O sente e O prova, como só os amantes são capazes de o fazer, afinal, “provai e vede como o Senhor é bom” (Sl 34,8). Junto de Deus, na oração, a Santa de Ávila ousou experimentar o néctar dos apaixonados, e beijou delicada e demoradamente os lábios do esposo, enquanto adentrava com Ele em sua “câmara secreta” (cf. Ct 3, 4).
A vida de Santa Teresa D’ávila, por assim dizer, é um convite aos homens e às mulheres de todos os tempos e lugares a não se deixarem abater por nada: “nada te perturbe, nada te amedronte, tudo passa…” Essa oração, composta especialmente para suas “filhas espirituais” em contexto de perseguição, alimenta ainda hoje a espiritualidade de todos aqueles que não se deixam vencer pelas intempéries do tempo nem pelos dissabores da missão.
Perseguida pela Igreja, a quem dedicara sua vida, Teresa não virou as costas para “sua mãe”, nem tampouco se colocou nas praças de seu tempo escancarando os pecados e as incoerências de seus irmãos na fé. Ela foi um pouco mais além; anunciou a boa-nova do Evangelho e denunciou as infidelidades dos cristãos por meio de sua vida, e da prática da virtude e da busca pela santidade. A isso se chama de “gesto profético” na literatura bíblica. Uma verdadeira profetiza para todos os tempos.
Teresa D’ávila é modelo de seguimento e referencial de vida cristã porque seguiu o Cristo da cruz até o fim. Não voltou atrás nem largou o arado. Prosseguiu.
O grande mérito de Santa Teresa D’ávila, dentre todos aqueles que se possam nomear, está a sua descoberta existencial: “Só quem tem Deus nada lhe falta; só Deus basta”.
O “Deus basta” de Santa Teresa não é fruto de uma espiritualidade vazia, estéril ou ingênua. Não foi por causa de sua inaptidão para as coisas mundanas, ou porque estivesse ausente do mundo e fechada em sua pobreza. É, antes, fruto de um trabalho laborioso do Espírito Santo em sua alma que a fez compreender, paulatinamente, que, quando se descobre o valor e a beleza deste Deus, a pessoa se torna sábia e vende tudo o que tem para adquirir este tesouro imperecível. Pois, diante do único absoluto, tudo o mais se torna relativo.
Teresa D’ávila fez, portanto, a opção mais radical: vendeu tudo o que tinha, deu aos pobres, e tornou-se seguidora do Cristo. Os méritos por sua adesão são colhidos até hoje. Quem nunca ouviu falar desta mulher? Quem não a tomou como exemplo para si, frente às adversidades da vida? Quem, em momentos difíceis da vida, não rezou: “nada me perturbe, nada me amedronte. Tudo passa. A paciência tudo alcança…”?
Quem?
[box type=”error”]Ouça a oração de Santa D’ávila clicando abaixo [/box]
____________________
Por, Pe. Claudemar Silva
Adicionar comentário