Mulheres assassinadas
Por Dom Paulo Francisco Machado
Bispo diocesano de Uberlândia
Quando abrimos o primeiro capítulo do livro de Gênesis, na narrativa da criação do ser humano, homem e mulher são colocados no mesmo plano de dignidade, ambos são “imagem e semelhança de Deus”, com a mesma missão de povoar a terra e de descobrir seus potenciais para gerar melhores condições de vida. O segundo capítulo, embora mais antigo, é ainda mais espetacular, no meu parco entendimento, quando reconhece de modo explícito a igualdade de natureza do homem e da mulher, pois Adão afirma, quase que em atitude de orante, de ação de graças: “Desta vez sim, é carne de minha carne, osso de meus ossos”. No Talmude, encontramos uma bela passagem de interpretação deste capítulo, referindo-se à mulher: “Muito cuidado para não fazer chorar uma mulher, porque Deus conta as suas lágrimas. A mulher foi feita da costela do homem, não dos pés, para não ser pisada; nem da cabeça, para ser lhe superior, mas do lado para ser igual; um pouco abaixo do braço para ser protegida, do lado do coração para ser amada”.
Cristo não só reconheceu a dignidade da mulher, mas também a de todo o ser humano. Ele nos deixa uma regra de ouro para a convivência humana, a inspirar as nossas atitudes. Antes Dele, no budismo e no judaísmo recomendava-se não fazer aos outros aquilo que não queremos para nós, mas Jesus dá-nos a tal regra um sentido positivo, o que faz uma grande diferença: “fazer aos outros, tudo o que queremos que os outros nos façam” e o novo mandamento é amar como Ele amou, isto é, até o fim, amar sem medida.
Milênios se passaram e o nosso Brasil de raízes cristãs se enlameia na violência e, numa alta porcentagem de homens que agridem, e até matam mulheres. Desconhecem o que Jesus disse a Pedro e às pessoas: “Põe a espada na bainha”, o que significa, desarme-se, respeita a integridade da pessoa humana, cuida da vida do(a) outro(a). É lastimável e revoltante tomar conhecimento desses números tão altos de mulheres agredidas e mortas.
Não vou ficar rastejando nesta lama de barro e sangue, faço somente algumas considerações. Quando hoje se fala “usque ad nauseam” da tão necessária educação das pessoas, penso que nos falta implantar no coração humano, mediante a educação, o respeito pela vida, toda vida. Estamos ainda longe de criar uma “cultura de paz”, de não violência. Será necessário um virtuoso conluio entre a família, a escola, a sociedade, o Estado, com adequadas Políticas Públicas para acabar com está praga em nossa terra. Facilitar a denúncia dos casos conhecidos, sem comprometer, criar estorvos, para a pessoa denunciante. Também é de suma importância proteger a vítima, neste sentido, dou vivas à lei Maria da Penha.
Peço permissão para narrar fato de minha infância, reportado no nosso livro “Histórias e estórias da minha vida”. Eu tinha uma irmã mais velha e, um dia minha mãe me chamou, trancou-me no banheiro. Era essa a senha secreta de que o assunto era deveras relevante. Voltou-se para mim e disse: “A partir de hoje, de agora, não quero mais saber de brigas com sua irmãzinha”.
– Aquilo era uma ordem, mas, qual o motivo, pensei? Choramingando reclamei: “Mamãe, ela é que fica implicando comigo, é ela que começa tudo”.
– “Não quero saber quem tem razão ou deixa de ter razão. Você não vai mais bater em sua irmã, nunca mais.”
Veio então a pergunta e a resposta que só fui entender bem mais tarde.
“Por que, mamãe?” – “Porque sua irmãzinha já é uma mocinha.”
Dei ao texto o título “Mão que embala o berço”. Eia! Embalando o berço, constrói-se uma nova civilização, a do amor.
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