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"não dê esmolas…"?

A prefeitura Municipal de Uberlândia lançou recentemente o programa “não dê esmola, dê futuro”. O projeto visa o atendimento, sobretudo, aos moradores de rua, dando-lhes um abrigo e uma oportunidade de, inclusive, se não forem da cidade de Uberlândia, regressarem para suas cidades natais.

projeto

O atendimento conseguiu, segundo estimativas do governo municipal, diminuir em 70% os casos de mendicância só em Uberlândia. Uma ótima notícia, sem dúvida alguma.

Entretanto, causou-me profunda estranheza a abordagem agressiva do slogan publicado em cartazes e outdoors pela cidade: “não dê esmola, dê futuro”. Não sou político partidário nem tampouco entendo de projetos políticos. Confesso minha ignorância. Eu entendo, isso sim, de teologia. E gosto, sobretudo, da teologia bíblica, que vai para além das denominações religiosas, especialmente por que procura ir às fontes, isto é, às Sagradas Escrituras.

No entanto, preciso dizer que o termo “esmola”, utilizado no marketing do projeto, está deturpado, pois há muito que fora cunhado sob a perspectiva religiosa, e, como tal, nada tem a ver com a impossibilidade do ser humano de ter ou não um futuro digno.

Nenhuma pessoa em sã consciência irá afirmar que não é da competência dos poderes públicos a promoção e a valorização dos cidadãos, estejam eles em que situação for. Porém, sugerir aos demais cidadãos que cessem de externalizar seus corações na direção do outro que suplica e que se apresenta necessitado diante de si, parece-me fugir um tanto da dimensão que lhes competem.

A esmola, biblicamente, é não apenas aconselhada, mas condição para servir e agradar a Deus. Desde o Antigo Testamento a sua ação é amplamente incentivada. O salmista 41, 2-4 afirma: “feliz de quem pensa no pobre e no desamparado”. O livro de Tobias, numa alusão clara da identificação de Deus com o pobre e o necessitado, ressalta: “jamais afaste o teu rosto do pobre e Deus não afastará o dele de ti […] Se tens muito, dá mais; se tens pouco, dá menos, mas não hesite em fazer a esmola […] Quando fazes a esmola, não haja pesar nos teus olhos”, adverte o autor sagrado (Tb 4,7-11. 16). O profeta Isaías, por sua vez, é enfático: “se deres pão ao faminto, se alimentares os pobres, tua luz levantar-se-á na escuridão e tua noite resplandecerá como dia” (Is 58, 10).

No Novo Testamento, o evangelista Lucas põe nos lábios de Jesus uma promessa: “dai esmolas e os vossos pecados serão apagados” (11,41). Para Jesus, o ato generoso da esmola dada ao pobre é a oferta digna e agradável feita a Deus. O apóstolo João, em sua primeira carta questiona aos cristãos de seu tempo: “como pode permanecer o amor em quem fecha suas entranhas diante do irmão necessitado?” (I Jo 3,17). São Paulo, por sua vez, em correspondência aos cristãos de Corinto, afirma: “Deus ama quem dá com alegria” (2 Cor 9,6ss).

Por fim, Jesus, o Filho de Deus, que se fez pobre para nos enriquecer com a sua pobreza, identificou-se com os mais necessitados: “tudo o que fizeres a um desses pequeninos, foi a mim que o fizeste” (Mt 25, 31-46). De fato, eu não tenho o direito de diminuir ou manipular o texto sagrado. A sua força comunicacional diz por si mesma.

É louvável a atitude municipal e ela cumpre com a sua obrigação diante dos Homens, cidadãos e cidadãs que elegendo homens públicos esperam que eles cumpram com seus deveres políticos para com todos, especialmente para com os mais necessitados. A fé cristã se enche de alegria com iniciativas como essa, em que tantos irmãos e irmãs em situação de rua se veem assistidos dignamente, podendo ter, inclusive, novos horizontes de vida.

Entretanto, não se deve associar um trabalho que é dever dos poderes constituídos a uma realidade existencial que é muito mais ampla; a carência em vários sentidos e que, quando bater à nossa porta, não deveríamos fechar-lhes as portas jamais.

Oxalá não haja necessitados entre nós, pois sabemos ser solidários e repartir o muito que temos com alegria. O que se deve evitar, isso sim, é o assistencialismo que não educa nem promove; a mão que dá ao mesmo tempo que retira, que escraviza e impede de crescer.

Mas é preciso dizer: esmola não tem nada a ver com isso. Daqui a pouco entraremos na Quaresma, período litúrgico em que somos convocados pelo Cristo de Deus, o pobre de Nazaré, a refletir sobre nossas ações, atitudes e obras. A voz do pobre que nos pede “um pouco de pão”, “um copo com água”, deve ecoar dentro de nossas consciências. E quando negarmos o que nos pede, essa voz tornar-se-á um barulho ensurdecedor que não se silenciará nem tampouco encontrará repouso dentro de nós. Se assim não for, enganamo-nos a nós mesmo e o Amor de Deus não poderá habitar dentro de nós.

Portanto, Cristãos, quando encontrardes um morador de rua, faminto ou nu, necessitado pelo caminho ou batendo à vossa porta, por favor, liguem para o 0800 940 12 29 e acionem a assistência municipal, mas, pelo amor de Deus, não os deixe sair de vossa presença famintos e necessitados, pois, “se a um irmão ou a uma irmã faltarem roupas e o alimento cotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, mas não lhes der o necessário para o corpo, de que lhes aproveitará?” (Tg 2,15-16).

Abri-lhes, antes, vossas mãos, vossos corações e vossas carteiras e sejam generosos com o Cristo que vos pede e a vós se apresenta como um simples necessitado e mendigo. E a vossa vida rebrilhará.

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Por, Diácono Claudemar Silva

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