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No meio do caminho havia uma cruz

O poeta mineiro, de Itabira, Carlos Drummond de Andrade, em um escrito famoso dizia: “havia uma pedra no meio do caminho”. Questionado, reiterava: “é só uma pedra, minha gente; nada mais!”. Pedras são pedras. Caminhos são caminhos e ambos podem se encontrar. Aqui e acolá. E a vida segue; sinuosa, pedregosa, nem sempre retilínea.

Fala-se de pedras, de caminhos. E de gente? Há uma forma plausível de afirmar ou de negar algo sobre a vida de uma pessoa. Basta olhar para sua história. É o tempo, fração de segundos e acúmulo de instantes, que nos ajuda a perceber melhor as coisas, as situações e, claro, as pessoas. Essa é uma das muitas missões do tempo: ele tem a função de colocar os fatos e os argumentos. Às vezes custa, às vezes demora, mas ele põe. Sempre põe. Alguém duvida?.

Infelizmente, vivemos numa época em que o factual tem maior abrangência e relevância do que as análises minuciosas dos dias, especialmente daqueles que requerem longas e demoradas percepções. Felizmente, tempo é também movimento, e, de tempos em tempos, ele muda, ainda que o recepcionemos com desprezo ou indiferença convenientes. À nossa frente estará o passado, a espreita, para nos redimir ou nos condenar. Pois, para dizer algo de uma pessoa, se honestamente, é preciso considerar a somatória do seu tempo, feliz ou triste, contado a partir de sua história. Do contrário, um degrau isolado seria capaz de destruir com todo um “castelo existencial”. E isso seria uma tragédia.

Sem ninguém lhe questionar nada, na festa de Pentecostes, Pedro, cheio do Espírito Santo, sabedor dos riscos que corria, afirmou a respeito de Jesus:

“Sabeis o que aconteceu por toda a Judeia. Jesus de Nazaré, começando pela Galileia, depois do batismo proclamado por João, como Deus o ungiu com o Espírito Santo e com poder, e Ele passou fazendo o bem e curando a todos os que estavam dominados pelo diabo, porque Deus estava com ele. E nós somos testemunhas de tudo o que fez na região dos judeus e em Jerusalém, ele, a quem, no entanto, mataram, suspendendo-o no madeiro. Mas Deus o ressuscitou ao terceiro dia e concedeu-lhe que tonasse visível, não a todo o povo, mas às testemunhas anteriormente designadas por Deus, isto é, a nós, que comemos e bebemos com ele, após sua ressurreição dentre os mortos” (At 10, 36-41).

Eis a beleza de um testemunho qualificado. Não basta qualquer dito sobre alguém, vindo de onde e de quem vier. Para ser credível, a testemunha precisa ter galgado o difícil e árduo caminho da convivência, da proximidade, que autoriza e credita a palavra proferida. Pedro era um desses. Caminhou com aquele a quem chamava de mestre. Negou-o, é verdade, quando se viu propenso a sofrer a mesma dor e injustiça que Ele sofrera. Quis salvar sua pele. Compreensível. Em outro momento, afoito como era, Pedro quis evitar a dor e a tristeza do mestre, como se isso fosse possível ontem, ou hoje ou em qualquer tempo. Jesus o corrigiu, repreendeu-o, mas, sobretudo, o amou. E mais. Deixou-o partilhar de sua vida. Por isso, exatamente por causa disso, mais tarde, Pedro foi capaz de assumi-Lo diante de todos, assumindo, inclusive, o destino dEle: a morte de cruz.

Dizer de Jesus de Nazaré é falar daquelas experiências humanas de encontro, desencontros, de vida e de morte. É reconhecer que, se tivermos a coragem de viver uma vida ética como foi a dEle, que não tripudiou dos seus sonhos, mas antes avançou com coerência na defesa dos valores mais incrivelmente humanos, saberemos o sabor e o peso que tem a cruz [uma cruz; a nossa cruz]. Ela torna-se o confronto com a vida que não foi negada, nem desperdiçada com ninharias nem egoísmos fortuitos. É resultado de uma existência altruísta até o máximo da medida humana: amar sem esperar nada, pois, mais forte do ser amado é a capacidade de amar gratuitamente.

jesus

Olhando-a de perto, quem ousaria negar a loucura ou a maldição de uma cruz? Quem, em sã consciência, a desejaria? Mas, divisada um tanto mais demoradamente, quanta graça e quanta glória. Pois, se ela é inevitável na vida de todo homem, ela o foi também na vida de Deus. E por quê? Porque não seria admitido a nenhum desses acovardar-se do caminho seguido, inventando outras trilhas, deixando de levar o peso da conclusão dos dias vividos e das opções conscientemente escolhidas. Isso seria nefasto demais. Daí, que o contrário é plausível: morrer como se viveu. No caso de Jesus, entregando-se, doando-se, desgastando-se a fim de promover a vida de quem foi furtado dela. Vivendo a estreiteza das ações e dos resultados que provem delas, haja vista que “uma vida não examinada, não merece ser vivida” (Sócrates).

E, por fim, em toda vida autêntica a cruz torna-se caminho, jamais chegada. Quem a assume como Jesus a assumiu o faz não por ela, simplesmente, mas pelo vivido, por aquilo que não foi ocultado, nem tampouco ignorado. Abraça-a não pela patologia ruminante do sofrimento, como quem o busca por prazer, mas pela incapacidade de renunciar ao que foi calcado com os lábios e cimentado com as mãos. Não se abraça a cruz pela cruz. Isso seria devaneio. Abraça-a, isso sim, como quem abraça o inevitável da vida, por tê-la vivido plenamente. O que vem a seguir é da ordem da verdade de Deus. Também Ele, assumindo-a, assumiu todos aqueles que foram postos nela, os crucificados de uma sociedade homicida. Deus assumiu-a naquilo que lhe é próprio, isto é, naquela Vida Ressurreta, Plena e Erguida por Ele. Por isso, não se trata de um happy end. Antes, é a vida que assume a morte e a transfigura a partir de dentro. Ressurreição!.

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Por, Diácono Claudemar Silva

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