O Balé das Mãos
Por Dom Paulo Francisco Machado
Bispo de Uberlândia
Como o velho e experiente índio timbira, personagem do poema I-Juca-Pirama, do romântico poeta maranhense Gonçalves Dias, a contar a façanha de um guerreiro tupi às crianças, também posso dizer agora: “meninos, eu vi”.
Tantas vezes, vemos somente com os olhos sem permitir que uma imagem, qual fotografia antiga, se imprima no cofre, no indevassável arquivo do coração. Vi uma bela cena, guardei-a, refleti sobre ela e agora dela quero escrever, pois, “meninos eu vi”.
Estava voltando para casa, quando vejo no ponto de ônibus um casal a conversar animadamente com as mãos, com os dedos. Não era uma conversa digital, aquela dos ágeis dedos de uma adolescente a taquigrafar uma mensagem no celular. Falo de um casal com a audição comprometida, fazendo uso da linguagem brasileira de sinais.
Que a audição seja dentre os nossos sentidos muito importante, não temos dúvida. Bastaria dois argumentos. A Sagrada Escritura diz-nos que o mundo foi feito pelo Verbo e a salvação da humanidade se deu pela encarnação do Verbo, assim, Deus se adequou aos nossos ouvidos, falando-nos pelos profetas e, “na plenitude do tempo”, pelo seu Filho, concebido no seio virginal de Maria Santíssima. E não nos esqueçamos de S. Paulo a nos ensinar: “a fé vem pelos ouvidos”. O apóstolo não diz que a fé vem pelas orelhas, será necessário levar a mensagem de salvação para nosso íntimo para se transformar em vida justificada, santa, vida nova de ressuscitados. Só os ouvidos do coração captam os mais tênues decibéis dos sussurros de amor da Trindade Santa. A escuta obediente da Palavra “formata” a vida do discípulo de Jesus.
O outro argumento eu o ouvi de uma pessoa inteligente e sábia, num Curso de Liderança Cristã “A audição é, dentre os nossos sentidos externos mais importante para a convivência social do que a visão, prova disto é que a incidência de suicídios entre os cegos é maior do que entre os surdos”. Não discuto esse assunto, somente o apresento.
“Eu ví” um casal de pessoas surdas em animada conversa. Trocavam informações? Contavam uma anedota? Talvez trocasse juras de amor. Certo é que a boca e os ouvidos eram substituídos pelas mãos e dedos: um balé digital.
A cena entrou na minha mente e confesso que me veio, imediatamente, um sentimento profundo de gratidão para com aquelas pessoas criadoras desse interessante e eficaz meio de comunicação, para as pessoas com deficiência auditiva. Lembrei-me imediatamente do Monsenhor Vicente Burnier, primeiro surdo de nascença a se tornar padre, com o assentimento de Pio XII. Ele foi grande apóstolo dos surdos no Brasil e quem inseriu no Dicionário de Libras a palavra “bispo”.
Louvo a Deus, quando vejo nos meios de comunicação e, até mesmo nas igrejas, pessoas que se dispõem a traduzir o que é falado, para que os portadores de deficiência auditiva “ouçam”. Louvo a Deus porque a sociedade está a levar em consideração a dignidade dessas pessoas, pois uma sociedade só é verdadeiramente moderna, quando atende os justos clamores de grupos minoritários. Ouso até mesmo a dizer, que o mundo de hoje é mais cristão, pois o Evangelho, como fermento na massa, mudou corações e gera “entre dores de parto” um mundo melhor, mais humano. Louvo a Deus porque uma multidão de homens e mulheres entenderam e ainda entendem a mensagem do profeta Isaias, retomada por Jesus Cristo, em Nazaré, capítulo 4 do Evangelho segundo Lucas a anunciar que “Nele” o Reino já chegou. O Reino já está estabelecido no Filho de Deus encarnado e, feito Senhor da História, caminha para a plenitude.
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