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Os corruptos não herdarão a vida eterna

“Sabeis que os que são considerados chefes das nações dominam sobre elas e os seus intendentes exercem poder sobre elas. Entre vós, porém, não será assim: todo o que quiser tornar-se grande entre vós, seja o vosso servo; e todo o que entre vós quiser ser o primeiro, seja escravo de todos” (Mc 10, 42-44)

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Autoridade e Poder são diametralmente opostos no projeto de Jesus. Um é a capacidade de influenciar a partir do exemplo. Esse foi o modelo adotado por Jesus e por todos os grandes líderes ao longo dos séculos. Não há outro modo mais convincente do que este: arrastar pelo exemplo de vida, antes que pelo amontoado de palavras.

Outra forma, bem diferente, é aquela adotada, sobretudo, pelos despostas e tiranos deste mundo: pela força, pelo medo e pela opressão.

Desde que a humanidade foi se configurando em tribos e, mais tarde, em sociedades, os líderes se mostraram uma necessidade real. Alguém que, à frente, guia seus concidadãos e os inspira a prosseguirem decididamente.

Na teologia bíblica vemos surgir homens e mulheres com a missão de levantar um povo, guia-lo, orientá-lo e conduzi-lo para a chamada “terra prometida”. Uma terra que, física ou simbolicamente, representa a condição mais nobre do ser humano, filho de Deus: o seu direito inalienável à liberdade.

Desse modo, Deus se revelou um libertador que potencializa esta prerrogativa do ser humano até às últimas consequências: “Tenho visto atentamente a aflição do meu povo, que está no Egito, e tenho ouvido o seu clamor por causa dos seus exatores, porque conheci as suas dores. Portanto desci para livrá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra, a uma terra boa e larga, a uma terra que mana leite e mel; ao lugar do cananeu, e do heteu, e do amorreu, e do perizeu, e do heveu, e do jebuseu. E agora, eis que o clamor dos filhos de Israel é vindo a mim, e também tenho visto a opressão com que os egípcios os oprimem” (Ex 3, 7-9).

Desde Abraão, o pai na fé, até os nossos dias, um líder religioso e/ou político precisa ser ponte entre o homem e sua humanidade em construção. Por causa da aliança abrâmica, toda a humanidade se tornou propriedade de Deus, pela qual Ele nutre profundo ciúme.

Moisés, protótipo do verdadeiro profeta, fora arrancado de sua inaptidão para a palavra e do seu estado de conveniência com o poder opressor, e posto, por Deus, à frente do maior relato de libertação que se tem notícia do mundo antigo. Só não supera a libertação promovida por Jesus Cristo, o profeta por excelência: a libertação do homem de sua pior escravidão: a do pecado.

Ao conduzir o povo pelo deserto, Moisés e Aarão, chefes do povo, tiveram que lidar com incoerências e insubordinações daqueles que lhes foram confiados. Quando impacientes com a demora de Deus, esse povo, aos pés do monte Sinai, lugar da revelação divina, constrói para si um bezerro de ouro, símbolo da idolatria e da prostituição sagrada. Algo que o Deus de Israel jamais tolerou.

No contrato firmado entre Deus e Israel, o povo da Aliança, não haveria espaço para a infidelidade. Deus, de sua parte, manteria o compromisso com sua palavra dada: guiaria o povo, alimentá-lo-ia e seria um pai para ele. Israel, por sua vez, deveria manter-se fiel ao único Deus através do culto e na observação aos mandamentos.

Por causa da dificuldade em manter a palavra, e, não poucas vezes, de se debandar para a infidelidade, o povo foi incapaz de cumprir com sua parte no contrato.

Por isso, Deus suscitou juízes e profetas que ciosos da vontade de Deus a poriam ao alcance dos membros do povo eleito a fim de que ninguém se julgasse incapaz de obedecer às prescrições divinas.

Os profetas, por esta razão, anunciavam as maravilhas operadas por Deus, sua fidelidade irrestrita e, por outro lado, denunciavam com coragem as incompatibilidades do povo em relação ao seu Senhor. Até que se concluiu o tempo da espera.

O messias anunciado desde tempos remotos, em que se clamavam por libertação e pelo retorno à terra prometida – por ocasião do exílio babilônico –, ou quando se viram cerceados em seus direitos e em sua liberdade – perante o domínio romano -, eis que surge de dentro do povo um que, diferente de todos os demais outros lideres, se coloca muito próximo dos seus concidadãos, especialmente daqueles considerados impuros, isto é, desprovidos da salvação.

Jesus, com sua capacidade de quebrar regras, suplantar protocolos e ir à raiz das questões, incomodou muita gente. Era tido como um subversivo e um promotor da desordem, quando não, da heresia e do cisma em relação às tradições e práticas religiosas.

Aparentemente, Jesus não cumpria a lei, tão escrupulosamente observada pelos mestres da lei, pelos fariseus, e pelos homens da religião. A impressão que se tinha de Jesus era a pior possível. Um homem perigoso para a ordem e para a moral. Alguém que deveria ser silenciado e impedido de continuar, afinal, seus ideais e seus pensamentos eram altamente perigosos para as mentes já cansadas de discursos infundados e incapazes de gerar vida e liberdade responsável.

E qual era o modo de proceder de Jesus?

Jesus não se dava com os sistemas político e religioso. Isso era fato. Eram escandalosamente injustos e opressores. O nível de exigência para se relacionar com Deus era algo inalcançável para um simples mortal. O peso posto sobre os ombros alheios fora denunciado veementemente pelo Mestre. (Cf. Mt 23, 4).

A religião e a política, tão historicamente imbricados, estavam corroídos pela corrupção. Haviam confundido fé e vida com tolhimentos bizarros e uma infindável quantidade de prescrições morais e religiosas. Os ritos, estéreis neles mesmos, tornaram-se um fardo diário e a experiência de Deus algo monetariamente inviável. Só os ricos e os afamados tinham direito à relação amistosa com o Senhor.

Jesus lutou bravamente contra tudo isso. Ousou fazer o que até então nenhum outro líder ousara fazer. Aproximou-se decididamente de homens e mulheres considerados impuros: prostitutas, publicanos, leprosos, endemoniados, pagãos, mulheres e crianças. A todos, ele estendeu as mãos e os tocou. Assumiu suas cruzes e suas dores, e os serviu.

Eis um dado da pregação de Jesus inquestionável: Ele pôs-se a serviço de todos. Quanto mais aumentava sua fama e as multidões acorriam à sua procura, mais Ele se colocava aos pés dos desfavorecidos e subjugados. Quanto mais Jesus subia na consideração de seus compatriotas e era visto como um “profeta de Deus”, e queriam fazê-lo rei, mais Ele se abaixava para ficar do tamanho daqueles que estavam à margem da sociedade.

Jesus tornou-se escravo para libertar a todos. Quis ser um servo obediente em tudo. Durante toda a sua vida é possível vê-lo entremeado com os desafortunados, e não aceitando nenhuma forma de privilégios. É Ele quem toma a iniciativa, sempre. Ele dirige sua palavra ao surdo e o cura; seu olhar ao cego e lhe restitui as vistas. Caminha na direção do acamado, do coxo, e os põe de pé. Sua presença é alentadora de esperança até mesmo para aqueles que já são considerados mortos. Sua vida dá vida a quem está há dias no sepulcro. Seu peito é lugar de descanso para os fatigados pela opressão inimiga. Seus pés são suporte para os caídos ou lançados ao chão pela lei homicida. Enquanto todos aguardam o pão para cearem juntos, Ele se levanta, põe o avental, cinge-se e, levantando a túnica, se ajoelha. Munido de bacia, água e toalha, cumpre com sua missão de servidor do ser humano.

Ele se torna, por esses gestos, protótipo do verdadeiro líder. Alguém que se distancie deste modo de proceder não poderá ser levado favoravelmente em conta. Jesus rompe com a ciranda de manipulação religiosa e política vigentes em seu tempo. Ele dá um basta em toda forma espúria de manipulação e opressão catabática – de cima para baixo.

Os discípulos, homens que o acompanham de perto, infelizmente, nem sempre compreenderam o que Ele lhes dizia. Houve quem, desprovido de atenção e de sincera busca pela verdade, um dia resolveu inquiri-lo com uma proposta indecente: “Mestre, queremos que nos concedas tudo o que te pedirmos.” 36 Ele perguntou: “Que quereis que vos faça?” 37 Eles responderam: “Concede-nos que nos sentemos na tua glória, um à tua direita e outro à tua esquerda.” (Mc 10, 35-37).

João e Tiago não sabiam o que estavam pedindo. Apesar de conviverem com o Líder por excelência, gestavam desejos tão mesquinhos. Aspiravam às alturas do poder, do sucesso, da fama, do status e dos primeiros lugares. Aqueles homens nutriam afã pelos tentáculos do polvo que os impendiam de caminharem livremente. De escravos almejavam a libertação para tornarem outros seus escravos. Não queriam romper com aquele circulo vicioso e de morte. Queriam, antes, ascender às castas superiores para, dali, ditarem regras e serem coroados primeiros ministros do rei.

Jesus não tolerou tamanha ousadia. Isso era o oposto do que Ele tentara lhes ensinar há tempos. O poder pelo poder era sinônimo de uma realidade que afrontava diretamente a salvação perpetrada por Deus. A dinâmica de homens superiores a outros, pela simples lógica do poder, era algo aviltante e incompatível com as propostas do Reinado de Deus.

No Reino inaugurado por Jesus não haveria escravos nem senhores. Seriam todos servos. Uns servindo aos outros, por amor e convicção. Entre os discípulos desse Reino não seria admitido nenhuma forma de subjugação e opressão, nem tampouco diminuição de uns e promoção de outros.

Entretanto…

Passados mais de dois mil anos, continuamos a nutrir e a desejar os mesmos equívocos que aqueles discípulos. Ainda hoje sonhamos com uma realidade em que possamos ser tidos como melhores a fim de ocuparmos lugares privilegiados de poder. Tudo isso nos põe em confronto com o Mestre. Tais desejos nos colocam do lado oposto do dele.

Também ainda hoje politica e religião caminham quase sempre juntos. E, numa coisa, são essencialmente iguais: foram feitos para servir, para libertar e para tornar o ser humano melhor.

Quando isso não ocorre, perde-se o sentido de sua existência e de sua função. Em ambas as realidades, porém, há algo nefasto e potencialmente terrível: a adesão à corrupção.

Consumidos pela tentação do poder e do possuir, homens e mulheres se transviam para o lado tenebroso da esfera pública: deixam-se corromper pelas inúmeras facilidades que o cargo que ocupam lhes conferem. Regalam-se nas muitas oportunidades que o poder adquirido ou democraticamente conferido lhes proporciona. Aceitam, sem o incômodo de uma moral altruísta e abnegada, as benemesses, algumas altamente questionáveis, que a lei lhes garante.

E onde está o mal?

O mal se manifesta quando já não estão mais voltados para aquilo que foram instituídos: o bem comum. Quando um político já não governa para os interesses de seus concidadãos, mas tão somente para os interesses próprios ou os de seu partido, ele já não é mais digno do cargo. Desconfigurou-se de sua missão. Legisladores e habitantes de uma casa comum – congresso, câmara -, seus olhares e atenções deveriam estar continuamente voltados para as realidades daqueles que representam.

Porém, ao se deixarem cegar pela cobiça, pela ganância, pela maldade e pelo dinheiro fácil, tornam-se automaticamente inaptos para a missão altaneira de serem dignos representantes do povo que os elegeu.

No mito de Sófocles, quando se deu conta de que havia cumprido com o seu fatídico destino, Édipo fura os seus olhos para não ter que contemplar a desgraça que causara e da qual fora autor. Diante do mal, esta atitude o dignificou. A sua consciência límpida e sua incapacidade de servir ao mal e à morte o obrigaram a uma atitude drástica: cegar-se para continuar existindo.

Talvez essa opção fosse uma das mais dignas para os políticos corruptos. Mas para isso teriam que adquirir consciência apurada, e ela precisaria lhes causar um certo asco. Acreditar nisso é, infelizmente, o mesmo que acreditar nas promessas de campanha. Nosso coração já não se comove mais.

Todavia, há uma realidade que não precisa de consciência nem tampouco de adesão. Um político que se corrompe, um homem ou uma mulher que se decidiu pela vida política e, no seu exercício, macula sua função com as vias fáceis de um poder corrupto e sanguinário, é alguém que afronta diretamente a Deus e sua dignidade divina, pois põe em risco a obra prima de sua criação: a vida humana.

Por esta razão, um político corrupto não é só alguém que rouba, que desvia milhões para contas pessoais e de familiares, ou para o partido político a que pertence. É também um assassino. Um homicida que arranca da garganta das crianças o pão a que elas teriam direito; que impede o cuidado com a saúde dos idosos e dos acamados em corredores de hospitais, que atrasa a cirurgia que esperam há anos e impede o recebimento dos medicamentos básicos para sua sobrevivência. Um político corrupto é também um assaltante, pois arranca das mãos dos jovens os seus sonhos mais profundos de um futuro promissor, de uma educação aclarada e de um modo de vida mais digno e feliz. Um corrupto que desvia dinheiro público e que se recusa a governar para o povo e a romper com os ditames de morte introduzidos em larga escala nos porões dos governos de uma nação democrática é faraó e herodes.

Um corrupto desavergonhado é como aquele homem insensato que, após ter abarrotado os seus celeiros, diz a si mesmo: “Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga”, ao que Deus responde: “insensato. Hoje mesmo pedirei contas de tua alma” (cf. Lc 12, 13-21).

O político corrupto é um louco que, pensando estar ganhando a vida, acumulando deslavadamente milhões em contas pessoais, cogita uma vida eterna aqui neste mundo. Insano, pois, nem mil vidas seriam o bastante para gastar todo o patrimônio escandalosamente acumulado. Também a esse, Deus, o justo juiz, pedirá contas.

Assim sendo, uma vez que durante toda a sua vida mostrou-se um ferrenho oponente de Deus e dos valores de seu Reino, a saber, justiça, equidade, honestidade, misericórdia e solidariedade, esse homem se colocou frontalmente contrário a Deus e à sua proposta de comunhão. Por que aderiu ao reino de morte e às fétidas ações de um reino corrompido e mortífero, tal homem sequer poderá ser levado à presença do altíssimo, que despede de mãos vazias os ricos e enfarados e soergue os humilhados. (Cf. Lc 1, 46ss).

Um político corrupto é, portanto, alguém que renegou com gestos, palavras e ações, ao direito à vida plena conquistado a preço alto pelo sangue do Líder dos lideres, daquele que, pondo-se a serviço de todos ensinou-nos irrevogalmente o que significa o poder.  Porque ousou viver assim, um político corrupto é alguém que não herdará a vida eterna: a vida feliz junto de Deus. Aquele Deus do qual nossa alma tem enorme saudade e no qual, repousando nEle, nosso coração tem descanso. (Santo Agostinho).

Um corrupto, seja ele quem for, jamais verá a Deus. Seu destino será a tristeza de uma eternidade longe do amor misericordioso do Senhor, cuja justiça é dar a cada um o que esse buscou livremente durante toda a vida.

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Por, Pe. Claudemar Silva

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