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"Padre, eu não tenho tempo…"

Se houver tempo, leia-o. E, se lê-lo, reflita. Se lhe parecer coerente, repense. Se não, jogue-o fora.

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Uma das frases que mais ouço é esta: “eu não tenho tempo…” E para tudo se dá esta desculpa. Como não?! Para o que é efetivamente importante, sempre se dá um jeito; arruma-se um tempo.

Uma das frases mais marcantes que li do papa Francisco dizia: “eu desconfio do amor que não custa e não dói”. Esta frase de S. Santidade calou forte dentro de mim. Ela encontrou em mim uma acomodação perfeita e acoplou-se a tudo aquilo que julgo verdadeiro.

Eu tenho menos de um ano de padre. Há muitos encantos no ministério, mas há também muitos dissabores e revezes. Não me tornei padre para ter facilidades e não acredito nelas. Eu me fiz padre por uma enorme teimosia: Deus, o Pai, atraiu-me ao Seu Filho Jesus. Eu me deixei atrair. Por causa dEle e de tudo quanto experimentei, não voltei atrás; segui adiante.

Por vezes, seria mais fácil deixar as coisas correrem como sempre correram. Conscientizar não é fácil. Mudar é excruciante. Mas é preciso insistir. Já ouvi barbaridades em meu ministério: “o senhor fala isso por que não tem família…” disse-me uma vez uma senhora. Não entendeu nada, pensei. Quando se quer bem o que faz e se olha o outro com amor, nossas cercanias menores sempre se alargam. Minha família hoje é tão maior!

Somos filhos do tempo. Como já não respeitamos nossos pais, a família, os nossos mestres educadores, não respeitamos as autoridades e tampouco a nós mesmos, torna-se quase impossível considerar o outro como mais importante e nos esforçarmos por colocá-lo em primeiro lugar (cf. Fl 2, 3-4). O tempo presente é de desencontros atrozes. Sofremos todos de implosão humana. Basta abrir os sites de notícia. Para dar audiência, a notícia deve chocar, sangrar e barbarizar. Não basta dar o fato. É preciso mostrá-lo sem recato e sem pudores. Não nos respeitam. Mostra-se o sangue, o assassinato, o desastre, o desespero e o horror a olhos nus, sem tarja nem acanhamento. Somos aviltados em nosso direito de não querer ver; não querer saber.

A sociedade barbarizou-se, e isso é culpa de todos nós. Enquanto não pararmos com este sadomasoquismo na dor e no desespero humano, não seremos capazes de apreciar os lírios que continuam crescendo, os bem-te-vis que ainda cantam e a chuva fina que insiste em cair. Os males dos quais temos medo tem encontrado, não poucas vezes, repouso dentro de nós. Nós os acomodamos prazerosamente. Ouvi dizer que estamos sofrendo de nomofobia. Se ficarmos um minuto sem o celular ou outra tecnologia que o valha, nosso nível de estresse vai às alturas. Sofremos de presença. Da falta dela. Estamos juntos, mas não próximos. Vamos à Igreja, ao teatro, ao cinema, à faculdade, à casa do amigo e do familiar, mas não desfrutamos da presença daqueles com os quais nos encontramos, nem tampouco saboreamos o instante. Estamos ocupados demais com quem ou com o quê está distante, do outro lado da tela.

Não temos tempo. Estamos ocupados em “ganhar a vida”: faculdade, trabalho, viagens, festas, diversão, isso e aquilo. A mensagem do Cristo não poderia ser mais atual: “quem quiser ganhar a vida vai perdê-la, mas quem perdê-la por minha causa e pelo Evangelho irá salvá-la”. (Mc 8, 35).

Nossas comunidades de fé precisam, urgentemente, voltar ao Evangelho do Cristo. Nossos cristãos, todos nós, precisamos urgentemente de mística, de silêncio e de encantamento. Sem nos desgastarmos pelo Cristo, pelo outro e pela causa do Reino de Deus não conseguiremos fazer melhor do que temos feito até agora. Sem paixão – páthos / sofrimento – não iremos dar o melhor de nós. Iremos, antes, nos contentar com o pouco que temos dado e acharemos que está bom e que ainda sobra. Estamos sofrendo de frouxidão. Dificilmente teríamos hoje Catedrais em estilo gótico. Já no projeto estaríamos cansados e sem tempo. Peças musicais polifônicas e arranjos mais elaborados não nos motivariam. Melhor compor uma “música ligeira”, como definiu Adorno. A leitura de um clássico, com 600 páginas, ficaria eternamente em nossas estantes. Um enfado.

Com mornidão, letargia e tibieza não será apenas o amor que ficaremos devendo a outrem (cf. Rm 13,8). Serão os outros que nos deverão algum favor.

Mas é preciso dizer: ainda há tempo. Podemos revisitar nossas convicções e nossos projetos, e, talvez com um pouco de insistência e teimosia, encontremos lá bem no fundo, dentro de nós, quase adormecidos, os sonhos que um dia nos fizeram despertar para a realidade que ora tem se ocultado de nós. Afinal, quem olha pra dentro desperta; quem vagueia fora, adormece.

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Por, Pe. Claudemar Silva

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