“Eu era pequeno… nem me lembro. Só lembro que à noite, ao pé da cama. Eu juntava as mãozinhas e rezava apressado; mas rezava como quem amava” (Pe. Zezinho).
12 de Outubro; dia de Nossa Senhora Aparecida. Que importância tem celebrarmos Maria, dentro do contexto do projeto da Salvação?
Celebrar Maria é celebrar o Sim generoso da Humanidade ao projeto de Deus. É perceber que, quando o Ser Humano se abre resolutamente à ação de Deus, Ele pode, efetivamente, “fazer grandes coisas” em seu favor.
De fato, quando nós nos abrimos ao “querer” de Deus, sua ação produz o fruto almejado e este fruto, gestado em nós, é semeado e produz muitos outros. Mas não só. Tal fruto é semente de vida nova, ressurreta, salvífica e santificante. Torna-se vida Crística. Pois, a ação divina opera em nós sinais profícuos de salvação tal como operou na vida de Maria, por causa de Cristo; a partir de nós, dentro de nós e conosco.
Desse modo, Maria é referencial e modelo indubitáveis para o homem e a mulher que, livremente, correspondem ao projeto-proposta de Deus, sem concorrência nem inimizade [como ousara sugerir a serpente no éden], mas em cooperação e em mútua responsabilidade. De tal adesão, o adâmico em nós configura-se em novo Homem, ou seja, eleito, redimido e santificado. Nesta nova configuração, Maria desponta com feições do porvir da Igreja, Povo Santo de Deus; “sem rugas nem manchas; toda bela, toda pura”. Nela, depois de Cristo, como numa imagem, pode-se contemplar a origem e o destino da criação, sinais visíveis da “mulher que soube ouvir”, isto é, ouviu e obedeceu, colocou em gestos concretos os movimentos do seu coração que creu.
Olhando para a vida de Maria, para o seu silêncio e para a sua entrega resoluta às mãos de Deus, o fiel de Cristo encontra segurança para dar, também ele, a sua resposta ao Deus que o chama a participar da obra criadora, pois, não obstante os muitos percalços, a certeza da fidelidade de Deus sustenta a resposta humana. Isso é perceptível na vida de Maria. Tornou-se credível a sua palavra humana por que a divina lhe foi dada anteriormente, e de modo indelével: “o Espírito do Senhor descerá sobre ti e a sombra do Altíssimo te cobrirá”.
No “faça-se” de Maria, a sua esperança foi comprovada não sem dores nem sem sofrimentos; mas, testificada, tornou-se a esperança de tantos homens e mulheres, de ontem e de hoje, que sonharam e sonham com um mundo melhor, onde seja possível “tocar sensivelmente” o direito e a justiça, a equidade e a bonança, pois o Senhor, aquele mesmo que fizera “grandes coisas” na vida da “humilde serva”, também é capaz de “destronar os poderosos e exaltar os humildes”, fazendo-os assentar-se com os nobres. E na comensalidade do Reino, há uma inversão de privilégios; ali, “os últimos [são] os primeiros, e os primeiros [são] os últimos”. Alguém duvida? Basta olhar para a vida daquela menina simples, insignificante e anônima de Nazaré.
Por isso, Maria sinaliza, por assim dizer, a novidade que só se pode advir com a ousadia da resposta do crente: “eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim, segundo a tua palavra”. A Fé, tal como se apresenta em Maria, é uma grande ousadia. Nela, vemos que dar a Deus o direito de “fazer”, na vida humana, a “sua Palavra” é dizer-lhe, dentre outras coisas, que já não importa mais, em última instância, os projetos que acumulamos ao longo da vida; as seguranças meramente humanas e os sonhos gestados desde a mais tenra idade. Importa, sim, que na dinâmica cotidiana da existência, haja sempre e em primeiro lugar o espaço para o inaudito de Deus acontecer. E isso não é pouco; isso, ao contrário, pode mudar uma vida inteira; reorientá-la e ressignificar, inclusive, aptidões, emoções e sentimentos. Pois, na Palavra criativa e criadora de Deus, o caos cede lugar à ordem e ao ordenamento de tudo; e, do aparentemente “nada”, insosso e desprezível, brota aquela vida, “altaneira, misteriosa, delícia do coração” (G. Verdi – La Traviata), E, dos lábios, enfim, ressurge o Magníficat de quem se pensara sem voz, sem vez ou sem aptidão alguma. Descobre-se, em si mesmo, um cabedal de possibilidades: “e como se fará isso?”. A fé de Maria nos ensina e nos orienta a nos entregarmos às mãos daquEle que nos criou e nos chama para si, continuamente. Fato; Maria soube, ao longo de sua vida, reconhecer o tesouro inesgotável que o tempo não destrói nem a traça corrói, e, encontrando-o, não abdica-lo por nada. E, como educadora, também ensina aos seus a percebê-lo [o tesouro]; guardá-lo e a não renunciá-lo jamais: “fazei tudo o que Ele vos disser”.
Celebrar Maria, portanto, é celebrar a fé humanizada de Deus na história do Ser Humano, que crê e espera [com e] apesar dos descaminhos e desalinhos do humano ao longo da sua travessia. É, também, celebrar a fé genuína daquele que crê contra toda esperança, sem esmorecer, embora não veja e não perceba sinais e nem espere por eles. Crê, somente. Com Maria, fitando aquele rosto humanado, percebemos acuradamente os tecidos com os quais fora feito: no rosto Encarnado em nossa fragilidade, podemos perceber o divino que se inclina favoravelmente sobre o humano; sem confusão nem divisão, sem mistura, porém, perfeitamente integrado. Destarte, na fé e na vida de Maria, o cristão encontra um respaldo inquestionável para a sua permanência e ação no mundo – lugar, por vezes, hostil e dissonante -, ao qual ele é chamado a amar e servir, a exemplo do Pai, por meio do Filho na força e na autoridade do Seu Espírito.
Todavia, se, como Ela, soubermos “guardar todas as coisas no coração” para ponderar, pensar e executar sabiamente, não demorará muito e, também nós, ouviremos dEle aquela mesma expressão que atesta uma vida crida e doada sem reservas: “bem-aventurada aquela que acreditou”. E ser bem-aventurado é ser feliz. Aprendamos pois, com a Mãe da Beatitude Eterna, o que significa ser “bem-aventurado” e vivamos a alegria que ultrapassa os tempos e os lugares – eternidade – e que se torna fulgurante no rosto dos filhos por que se veem filhos no Filho, irmanados sob um mesmo olhar de Mãe, a qual fomos convidados a “levar para casa”. Felicidade maior não há.
Virgem e Senhora de Aparecida, rogai por nós.
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Por, Diácono Claudemar Silva.
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