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REFLEXÃO DOMINICAL (05/03), POR PADRE EDUARDO RODRIGUES CALIL

E FOI TRANSFIGURADO DIANTE DELES…

PE. EDUARDO CÉSAR RODRIGUES CALIL

Apresentando o texto…
O texto que a liturgia apresenta neste segundo Domingo da Quaresma é conhecido como o relato da Transfiguração do Senhor. Esse relato é muito importante para as comunidades nascentes e está presente nos três evangelhos da tradição sinótica (Mt 17,1-9; Mc 9,2-13; Lc 9, 28-36).
Esse texto é aquele que sucede imediatamente o primeiro anúncio da Paixão no evangelho de Mateus (Mt 16,21-28). Simão Pedro professa sua fé em Jesus como Cristo, o filho do Deus vivo (Mt 16,16). Fé que indica que ele é um dos pequeninos a quem o Pai revela suas coisas (Mt 11,25). Mas logo em seguida, Pedro se torna uma pedra de tropeço, porque não pensa as coisas de Deus (Mt 16,21), mas quer tirar Jesus do caminho da cruz, ou seja, do caminho de doação e entrega da vida.
Como o anúncio da Paixão não foi compreendido pelos discípulos, é preciso que o próprio Jesus se revele diante deles como aquele que seria morto, mas que ressurgiria ao terceiro dia (Mt 16,21). Os discípulos ficaram muito presos à mensagem do sofrimento e da morte; isso, provavelmente, não combinava com as ideias de Messias que eles mesmos tinham, como, por exemplo, a ideia de um Messias forte, amparado pela corte celeste, num combate contra as forças dominantes. Mas ao ficarem presos ao anúncio da Paixão, não se deram conta do anúncio da Ressurreição. O evangelho, então, mostra que o destino final de Jesus não é a cruz, mas a vida ressuscitada em Deus. É, portanto, um evangelho de esperança.
Vale lembrar que essa antecipação que o evangelista faz da morte e da ressurreição de Jesus é um recurso narrativo de antecipação dos eventos futuros, chamada prolepse. Para a comunidade leitora, esse recurso antecipa algo, na trama narrativa, que é precioso esperar e entender. Não é nenhuma adivinhação de Jesus anunciar sua morte e ressurreição. Quem escreveu o evangelho já conhecia esses eventos, então coloca na boca de Jesus o que já sabe.

Seis dias depois…
Nós escutaremos o evangelho desse domingo começar com uma fórmula litúrgica esvaziada de sentido, a saber: “naquele tempo”. Mas o indicativo cronológico desse evangelho é, na realidade este: “seis dias depois”. Esse indicativo é simbólico e não é bom perdê-lo, porque ele faz parte de um projeto teológico. No sexto dia, Deus criou o homem e a mulher (Gn 1, 26-31), logo, a Transfiguração do Senhor mostra que Jesus é o novo homem, o novo Adão e profetiza o que é o humano em sua verdadeira dignidade, à plena luz. É isso também o que o relato da Transfiguração pretende mostrar: o ser humano, em sua dignidade, é filho de Deus, amado por Ele e destinado à comunhão com Ele e não destinado a se perder na morte.

Pedro, Tiago e João e… de novo a montanha.
Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e os levou a um lugar à parte, sobre uma alta montanha (Mt 17,2). À primeira vista, esse dado textual pode nos levar a crer que, dentre os doze, esses três discípulos gozam de mais importância ou são os prediletos de Jesus. Na realidade, é bem o contrário: esses são discípulos que mostram uma obstinação em resistir aos ensinamentos de Jesus. Pedro, como vimos, não admite que a cruz faça parte da vida do mestre e, embora professe uma fé que é pedra de construção, também tenta Jesus, tornando-se uma pedra de tropeço (Mt 16,23). Tiago e João, os Boanerges, que significa “filhos do trovão”, se preocupam com os primeiros lugares (Mt 20, 20-23), não entendendo muito do que Jesus ensinou (aliás, mesmo depois da Transfiguração, a obstinação e resistência persistem neles).
O lugar para o qual Jesus os leva é a montanha. Já sabemos que a montanha é lugar de revelação de Deus. Logo, a transfiguração pode ser chamada de revelação da ressurreição de Jesus. Revelação no sentido de “mostração” narrativa. Ela já foi anunciada e não foi entendida. O evangelista precisa mostrar, pois os discípulos de Jesus, de ontem e de hoje, ou são duros como pedra (Pedro), ou cabeças-duras intempestivos (Tiago e João).

A Transfiguração do Senhor
O texto diz que Jesus foi transfigurado diante dos discípulos. O primeiro dado importante sobre essa expressão é que ele está no passivo, que conhecemos como passivo teológico: foi transfigurado… por quem? Pela própria ação de Deus, certamente. O mesmo se deve dizer da ressurreição (já que a transfiguração não é outra coisa): Jesus é ressuscitado pelo Pai. A segunda coisa que se deve dizer sobre essa expressão é que a palavra grega utilizada pelo evangelista é metamorfóomai, que significa que ele foi transformado, mudado: “seu rosto brilhou com o sol e suas roupas ficaram brancas como a luz” (v. 2b). O evangelista usa imagens que remetem à glória de Deus. A criação de Deus começa separando as trevas da luz, com Deus plasmando o dia e dizendo: Haja luz (Gn 1,3-5), a nova criação começa nos mostrando quem é Jesus, o Filho amado de Deus, nossa luz (Mt 4, 15-16 //Is 8,23-9,1). Nele, toda a criação se renova.
“Nisto, apareceram-lhe Moisés e Elias, conversando com Jesus” (v.3). Esses dois personagens representam a Lei e os Profetas, respectivamente. O evangelista quer mostrar que, apesar de Jesus interpretar a Lei de um jeito bem inovador, ele dialoga com a Lei. E apesar de não ser apenas um profeta (Mt 16,13-19), sua missão dialoga com a profecia antiga. Ele é a síntese, aquele que leva à perfeição a Lei e os Profetas. Leva à perfeição porque perfaz, faz o caminho, da Lei (em seu Espírito, não em sua letra, como já vimos) e faz o caminho dos profetas, inclusive podendo ser rejeitado como eles foram. Lei e Profecia conversam com Jesus. Além disso, a comunidade nascente, muito provavelmente apegada a Moisés e à Lei, apegada ao Antigo Testamento, precisa compreender que em Jesus a Lei e a Profecia encontram realização, chegam à sua finalidade, a seu fim. A comunidade cristã deve agora escutar Jesus e somente a ele (v.5).
Mas a comunidade cristã não entende isso, e Pedro a representa. Pedro quer fazer três tendas; “Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. (v.4). Como se vê, Pedro ainda não entendeu que o messianismo de Jesus passa pela entrega da vida. Quer, ao contrário, a comodidade da montanha e apenas a tranquilidade dessa experiência, sem atentar-se para o mundo e suas necessidades ou ambiguidades. Mais do que isso, porém, é que Pedro não tenha compreendido quem deve ocupar o centro de sua fé. Notem que ao dizer que iria fazer três tendas, Pedro coloca o nome de Moisés no centro (uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias). Esse modelo de citação de três nomes, na tradição hebraica é muito usual. O nome mais importante é o que vem no centro. Logo, para Pedro, quem ainda ocupa o centro de sua vida é Moisés e a Lei. Como é difícil para ele e para a comunidade cristã, de ontem e de hoje, colocar Jesus e seu Evangelho no centro – e não a Lei.

Uma correção vinda dos céus
Para Pedro não foi suficiente a correção que Jesus lhe fez, quando quis dissuadi-lo da cruz. Agora, ele mal termina de falar e o próprio Pai o interrompe para apontar-lhe o caminho: “Pedro ainda estava falando quando uma nuvem luminosa os cobriu com sua sombra. E da nuvem uma voz dizia: ‘Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o!” (v.5). Com o testemunho do Pai a favor de seu Cristo, não é possível que a comunidade cristã não entenda que é Jesus que deve ser escutado.
O verbo escutar (akúete autú) tem a ver com colocar em prática. Significa, então, aderir a Jesus inteiramente, inclusive, não evitando, por medo, a cruz. O Filho é o agrado do Pai e essa experiência batismal de Jesus foi provada com as tentações e aprovada, por causa de sua fidelidade. A quem queira escutar Jesus, será preciso ser fiel ao Pai, como ele foi.

“Caíram com o rosto por terra” (v.6)
Os discípulos caem prostrados quando ouvem o testemunho do Pai, corrigindo a resistência de Pedro. Essa queda traz um importante simbolismo, porque mostra como a comunidade cristã reage quando provocada a escutar Jesus, abandonado os esquemas seguros da Lei: ela cai, não raras vezes. Jesus, porém, é aquele que encoraja a comunidade a manter-se perseverante, apesar das quedas, dizendo: “Levantai-vos e não tenhais medo” (v.7). Os verbos aqui são muito importantes e semelhantes ao que Jesus faz quando realiza alguma cura: aproximou-se, tocou-os e disse. Jesus se aproxima, toca e ajuda a levantar para seguir… Seguir crendo nele, escutando-o.
Depois dessa manifestação de Deus, ao levantarem os olhos, os discípulos não veem mais Moisés e Elias; não é preciso recorrer mais a eles, Jesus é quem deve ser escutado. E não ouvem mais ao Pai, porque o Pai apontou Jesus como aquele que deve ser seguido.
Descer da montanha, então, é o próximo passo, pois espera-se que tenha ficado mais claro que o sol e sua luz: Jesus é o Cristo, o filho do Deus vivo. Ele não é apenas um profeta e é maior que Moisés. Sua missão passará pela cruz, mas não terminará lá.

 

Para rezar…
Como nos é difícil ainda hoje escutar Jesus. Preferimos colocar outros no centro de nossas comunidades cristãs e de nossas vidas. Fazer da vida de Jesus nossa lei e de seu amor a profecia do que ainda podemos vir a ser, continua sendo o desafio da Igreja. Apesar de cairmos tanto, contemos com Jesus que não se cansa de aproximar-se de nós, tocar-nos e dizer-nos: levantai-vos, não tenhais medo!

 

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