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Trazemos este tesouro em vasos de barro

O apóstolo Paulo, homem experimentado na dor e na Graça, afirma-nos que Deus derramou com largueza sobre os nossos corações a expressão mais genuína do seu amor, dando-nos o Seu Espírito (cf. Rm 5,5; 8,15-16; 2Cor 1,22; Gl 4,6; Ef 3,16-19; etc). E é graças a esse Espírito que nos habita, e que nos é mais íntimo do que nós mesmos, é que nós, presbíteros, vasos frágeis, somos capazes de comportar o tesouro inestimável da vocação.

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Em nós, esse dom não se deixa oxidar nem se corrompe a partir de dentro. É o contrário. Continua sendo valoroso e, exatamente por isso, torna digno o vaso que o comporta. Logo, a dignidade não é nossa; é d’Ele. Limitado, o vaso permanece, entretanto, em sua utilidade inquestionável e em sua missão altaneira.

O vaso, por vezes macerado pelo tempo e pelas andanças ao longo do caminho, vai deixando escapar por entre suas fendas o conteúdo que não lhe pertence, embora o comporte. Ajeitado muitas vezes sobre os ombros pelo próprio caminhante, o vaso diz muito da condição de quem o conduz. Tal como quem o leva, ele é terroso, imperfeito, mas, ainda assim, é dentro dele que o transeunte leva para casa o líquido precioso com o qual sacia a sede e faz o alimento para os seus.

Todavia, enquanto caminha, o líquido no interior do vasilhame, porque fendido, escorre; molha o peregrino e alcança o solo. Lava o homem que o conduz e banha a terra que sequiosa anseia pelas águas. E, dia após dia, quase que imperceptivelmente, as margens ao longo do caminho vão se enverdecendo graças às gotículas caídas, e a semente, outrora distraidamente lançada, absorve aquela rega; rompe a casca e, fecundada, prossegue o ciclo da vida.

O vaso que ora levamos é nosso e é d’Ele. Às vezes, nós o levamos, outras vezes é Ele quem nos leva. O vaso não perde a sua dignidade por que fora ferido pelo tempo ou pelos ventos contrários, sofridos do alto do ombro do Seu Senhor. Quem seria capaz de desprezá-lo por que envelheceu ou por que adquiriu rachaduras que comprometem o líquido que ele transporta?

Não seria capaz, quem por ele adquiriu verdadeiro amor. Quem o enxerga de longe pode até desprezá-lo, ignorá-lo ou ousar substitui-lo. Mas não quem o fez com as próprias mãos. As mãos que o manejaram sabem do valor inestimável daquele vaso, ainda que alquebrado pelos anos ou pelas vicissitudes da vida. Ainda que enegrecido pelas fuligens das noites mais densas, trazidas nas asas de ventos fortes de um deserto distante, estéril e descrente.

Um dia, quando o sol ia a pino e no horizonte já se divisava o contorno da chegada, perguntaram-nos: “E vós, caminheiros-vasos, que vedes pelo caminho?”. Um olhar que nos espreitou por entre nossas rachaduras e, ante nossas fendas, adentrou-nos com sua luz, respondemos. Pois, nunca, em momento algum, as mãos desse Oleiro ousaram distanciar-nos do seu olhar. Ele nos fitou irrevogavelmente. Elegeu-nos, e sua decisão não voltou atrás: “Vasos que amo, que criei e delineei com os meus dedos de artista. A ninguém cederei esta minha glória”, sussurrou-nos Ele quando nos acalentava ainda ontem. Daí, que o nosso anúncio diz sobremaneira deste que em nossa história revelou-se bom, belo e generoso.

Eis o nosso testemunho: Bom é Deus que nos alcançou quando finitos, e Ele, in-finito, adentrou-nos por nossas cercanias entreabertas e, visitando-nos, soergueu-nos à sua altura. Não houve estreiteza que o pudesse impedir de nos alcançar. A presença d’Ele sustentou nossos passos vacilantes e, quando cambaleamos, sua ternura firmou os nossos pés. Quando cansados, sentimo-nos ser pegos pelas mesmas mãos que nos forjaram, e postos em ombros de onde pudemos ter visões até então desconhecidas. Vimos além do deserto sequioso que não poucas vezes atravessamos. Do alto daqueles ombros, divisamos o oásis fecundo à nossa frente, e respiramos uma brisa fresca, como de fim de tarde, não obstante o sol escaldante que os pés d’Ele sentiam por nós.

Bom é Deus que não nos permitiu ficar ao chão quando pretéritos por causa de algumas frestas. Antes, alcançou-nos o Seu Amor decidido e encorajador. Pôs-se conosco, do nosso lado, no instante mais íngreme do percurso. As lufadas do ar de sua presença alegraram-nos sobremaneira, inclusive, quando adquirimos cicatrizes ao longo da travessia, que, sem revidar à grosseria do mal tempo, ensinaram-nos a esperar o tempo da poda, da colheita. Foi Ele quem empreendeu conosco tempo e recursos para que fôssemos íntegros, auspiciosos de uma unidade que se pretende alcançar a todos, a fim de que todos creiam n’Ele, e que foi Ele quem, inegavelmente, elegeu-nos, chamou-nos e nos envia.

Por que tratados com amor e misericórdia pelo Oleiro, reconhecemos: Ei-lo por aqui, sob nossas vestes suadas e surradas pela dureza da lida. Ei-lo aqui, misturando suas mãos às nossas já calejadas e feridas pelos espinhos e arestas na arte do plantio, ou envolvido conosco na simples feitura do pão e na pisadura do vinho. Ei-lo, sorridente, tal como criança, quando lhe apresentamos nossas lágrimas, Ele nos devolve afagos. Não é desprezo, é dito: sê forte, peregrino; sê corajoso, vaso miúdo. Sê!

E agora, agradecidos, despertos de nosso sono, pois pensamos sonhar, notamos que Ele, de fato, além de bom, permanece fiel. Sua decisão eterna, dura para sempre, como eterno é o seu amor. E em nossa intimidade, nos dirigimos a Ele confiantes: Ah, indefeso Senhor, então viestes hoje conforme prometido? Não foi em vão que seguramos ao limite de nossas forças a lamparina acesa. Ela tantas vezes se empalideceu. Nosso azeite, por vezes minguado, foi reposto mais de uma vez. E foram tantas as mãos que o nutriam e de tantos lugares que não nos atreveríamos a citá-los. Conforta-nos, todavia, aquela profunda certeza: nunca, em momento algum, estivemos sozinhos. Houve presenças… Presentes.

Pois, tal como o profeta Elias no deserto de Bersabeia, nós, quando sobrecarregados pelo cansaço durante a travessia, paramos e, assentados ao pé da árvore da vida, suplicamos: Senhor, conceda-nos a morte; eis-nos fatigados demais. Ele, porém, amando-nos, enviou-nos um anjo que nos alimentou, saciou nossa sede e nos disse: “Levantai-vos; comei e bebei, pois o caminho é longo”. Arrefecidos, prosseguimos.

E, em nossas noites mais escuras, pleiteamos fugir dele e, Ele, no entanto, alcançou-nos em nossa gruta. É que sem o saber, ocultamo-nos dele, nele: “Tu és minha rocha, Senhor, em Ti me refugio”. E durante uma noite inteira, Ele travou combate conosco. Sua mão estendida tocou-nos até o vértice. E, como ocorrera com Jacó, desde então manquejamos. Ele alterou até mesmo os nossos nomes e a marca deixada em nós impregnou-se de tal maneira que foi ao mais profundo em nossa carne, e, como argila, trazemos em nós o sinal de sua presença.

Ao transportarmos o Tesouro d’Ele, nossa resposta, no entanto, é ancorada numa rocha inabalável: no amado que continuamente nos apresenta, na força do amor, ao amante. O Pai, que nunca vimos, senão no Cristo nosso irmão, desceu à nossa altura e lavou-nos os pés. Enxugando-os, beijou-nos delicadamente. Sentimos o seu hálito e o seu perfume. E ao se despedir, abraçou-nos de forma demorada e, só muito lentamente, ausentou-se de nós, mas não em definitivo. Eis, portanto, nosso consolo e nossa dor: tendo-o perdido, voltamo-nos agora para os irmãos e irmãs, em quem esperamos de novo reencontrá-lo.

São por essas e outras que vos pedimos. Não nos pergunteisse estamos felizes ou tristes. Tais definições não alcançam o limite do que somos capazes de comportar. A síntese de tudo é isso: gratidão. Essa, sim, ultrapassa-nos e nos escapa; escorre por entre nossos dedos e fecunda a terra. E, não obstante a aparente perda, ela se renova e se perpetua. Pois, é infinitamente maior do que nós mesmos. Ela nos supera.

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Por, Pe. Claudemar Silva

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