Diocese de Uberlândia Em Destaque

Uma Esperança, depois de toda esperança

Hoje, depois de uma manhã de trabalhos e entre um almoço festivo com os irmãos no presbitério, eis que um dos padres reunidos conosco recebeu uma ligação. Seu susto ao telefone foi imediato. Todos os risos se calaram, as vozes respeitaram a consternação que tomava conta da face do que havia recebido o telefonema e ele, ao desligar, passou-nos a notícia: o filho do diácono Ivo faleceu. Alguns permaneceram calados, outros expressaram aflição. Confesso que eu não conhecia o rapaz, mas conheço seu pai e a primeira coisa que me doeu foi imaginar a angústia dele, por perder um filho. Ivo é um dos diáconos de nossa diocese, recém-ordenado, em quem podíamos constatar as alegrias de ter sido admitido à ordem, pessoa muito carismática e sociável.

À pergunta da causa da morte, o padre respondeu que havia sido um acidente fatal, trágico; o choque de um bitrem e o carro do rapaz que ia para Patrocínio. A tarde se alongou com aquela notícia ruim e os detalhes foram forçando a inteligência a reconhecer que aquilo, que parecia um pesadelo, havia sido real. No velório a comoção era geral, o caixão fechado, o desconsolo… Ao me abraçar, as palavras do diácono Ivo, entre lágrimas, chacoalharam meu estômago: “padre, eu perdi meu filho num acidente, hoje é o dia mais triste da minha vida”.

Agora mesmo, antes de dormir, ainda estou constrangido. A morte me escandaliza. No sentido mais radical da palavra escândalo, a saber: faz-me tropeçar. Escandaliza que não haja certezas, que tudo pareça terminar num despropósito, que a beleza da vida e sua grandeza seja sepultada entre as estreitezas de uma urna.

Proverbios_Kindai_Esperanca1

É intrigante perceber o escândalo das pessoas, muitas levando a mão à boca para conter a surpresa, o choque, porque isto é a morte: uma surpresa de mau gosto, desagradável. Não há preparo, treino, aviso. Ela arranca nossos direitos, pois não escolhemos data, nem hora, nem seu modus operandi. Apenas somos forçados a engoli-la, entre choros e engasgos. Apenas sabemos que iremos sozinhos, para o último de nossos encontros.

As mesmas pessoas que levaram a mão à boca se achegam, se espremem, aproximam-se do caixão solidárias com a família e a morte vai produzindo nelas aquela catarse: chegará também, infelizmente, o nosso dia. Querem esquecê-lo a todo custo e choram os protestos da alma.

Contudo, resolvi mais uma vez insistir na fé, quando me lembrei, que ao ver um filme recentemente, ouvi uma das personagens dizendo que o amor não tinha apenas uma finalidade social, nem tampouco biológica; fosse assim não amaríamos aqueles que morrem, não teríamos saudades. Ela afirmava que o amor indicava um “algo mais” para além dessa vida e seus limites. Sonhamos com a vida eterna dos que amamos, sonhamos com um último e definitivo encontro e o amor indica justamente algo que transcende o social e o biológico, essa vida material, porque nossa esperança o carrega das possiblidades de reencontrar os mais caros a nós, para além do tempo e do espaço, lá, no coração de Deus.

Pensando naquele pai, aflito, ladeado por sua esposa e por seu outro filho, lembrei-me de Deus Pai. A morte de seu Filho Jesus causou-lhe extremado assombro. Jesus foi enviado para anunciar-nos a boa-notícia de sua misericórdia e compaixão e Deus queria que ele nos inserisse em sua comunhão, de uma vez por todas. Mas os homens não acolheram Jesus e o mataram. “Ao meu filho, vão respeitar” (Mt 21, 33-43), pensou o Pai de Jesus, mas os homens lhe deram um fim cruento. Que choque poderia haver em Deus nesse momento? Não teria ele se escandalizado com a dureza dos homens, em quem ele insistia em crer? Ora, dirão, Deus sabia de tudo. Isso muda alguma coisa? Na oferta do Pai, não está a expectativa, ou diríamos, a esperança de ser acolhido?

Na cruz, também, Jesus reconhece o abandono de Deus. O que se ouvia era o silêncio de Deus como resposta, porque a morte do filho lhe causou sofrimento. Um Deus que sofre com as dores de seu povo, não sofreria com as dores de seu próprio Filho?  A cruz é escândalo para nós, mas não terá sido também para Deus vendo a possibilidade consistente de rejeitarem seu filho, se confirmar?

Mas de repente, por obra de Deus, a morte de seu Cristo foi assumida dentro de si e transformada. Deus fez de sua tristeza nossa alegria, vencendo o poder da morte e convertendo a cruz de escândalo, em sinal de salvação. Fez da violência atroz, um sinal de perdão e misericórdia.

Entretanto, acontece ainda de a morte causar escândalo. De ela nos silenciar a fórceps. De arrancar de nós lágrimas que havíamos escondido para outros momentos. E toda palavra é mera palavra nessas horas, toda tentativa de conforto é frustrada, toda explicação rejeitada. Mas para longe de todo consolo rápido, há uma fé que não nos deixa tombar, mesmo entre tropeços: do mesmo modo que o Pai não deixou seu filho entregue à morte, ressuscitando-o; assim, também deverá ser conosco. Nossa fé permite-nos passar do escândalo da morte ao estupor da ressurreição, pois Deus nos assume por inteiro e, como aceitou acolher a morte do Filho em seu próprio seio, dando-lhe nova vida, fará conosco, no crepúsculo de nossos dias, o mesmo; salvar-nos-á do sem sentido absoluto. Carregada para o seio de Deus, a morte perdeu seu vigor, seu poder; agora ela é apenas uma passagem para a Vida definitiva junto Dele. Não podemos mais tombar diante do poder da morte, pois seus grilhões foram quebrados – é a coragem que a fé nos dá.

Todos os aflitos, os que choram, os que agora plantam no seio da terra, entre tristezas, com o coração partido, seus amados pais, filhos e irmãos colherão um dia, na alegria definitiva, a vitória da vida. Por hora, lamentamos e nos entristecemos, mas um dia, teremos finalmente experimentado que os rumores de que a morte foi vencida por um homem, estavam certos…

_______________________

Por, Pe. Eduardo César

Adicionar comentário

Clique aqui para postar um comentário

Assine a nossa newsletter

Junte-se à nossa lista de correspondência para receber as últimas notícias e atualizações de nossa equipe.

You have Successfully Subscribed!