A Igreja no Brasil e no Mundo

Uma vitória da política externa do Vaticano

Francisco pode desfrutar da liderança moral que encorajou autoridades a ver o ‘mundo tal como deve ser’.
Por John L. Allen Jr.

A normalização das relações entre os Estados Unidos e Cuba pode significar, principalmente, um ponto de inflexão para estes dois países, mas pode também representar uma vitória para a política externa do Vaticano que remonta, pelo menos, até o papado de João Paulo II.

Cuba é um país historicamente católico, onde 60% da população ainda é católica, segundo estimativas, e onde a Igreja é também um importante provedor de serviços sociais e ajuda humanitária.

Sob o regime de Fidel Castro, o catolicismo sofreu várias formas de perseguição e violência. Nos primeiros anos do regime castrista, as forças militares do líder caribenho supostamente prenderam, mataram e exilaram 3.500 padres e freiras. À luz da nacionalidade do papa Francisco, vale notar que o primeiro cardeal cubano, Manuel Arteaga y Betancourt, foi forçado a pedir refúgio das forças de Fidel na embaixada argentina em Havana, de 1961 a 1962.

Mais tarde, os ataques violentos diminuíram, porém a Igreja Católica continuou proibida de administrar escolas e de formalmente ensinar religião. Os fiéis leigos são discriminados nos locais de trabalho por expressarem a sua identidade religiosa, por exemplo, e as autoridades eclesiais ainda aguardam um avanço no sentido de terem de volta as propriedades da Igreja, expropriadas pelo regime local há 40 anos.

Ao encarar estas realidades, a posição do Vaticano ao longo dos últimos 40 anos favoreceu um engajamento e uma inserção gradual de Cuba para dentro da comunidade internacional, na crença de que com o país movendo-se em direção ao centro iria também acabar sendo mais amigável à religião.

O papa João Paulo II era sabidamente anticomunista. Então, quando visitou Cuba em 1998, muitos esperaram uma repetição daquilo que a sua visita à Polônia fez: uma inspiração para o movimento Solidariedade nas décadas de 1970 e 1980.

Esta visita de 1998 foi amplamente ignorada pela imprensa americana devido ao escândalo Monica Lewinsky, que irrompeu em Washington na época. No final, João Paulo II escolheu superar o confronto, aparecendo em público ao lado de Fidel Castro em várias ocasiões e projetando a imagem de um diálogo amistoso.

João Paulo II fez um apelo às autoridades cubanas para permitirem uma maior liberdade de expressão e associação, mas, em geral, tratou Fidel Castro como um legítimo chefe de Estado em vez de um pária. Em troca, Fidel fez questão de usar um terno em lugar de roupas de combate em seus encontros com o papa, e logo depois que João Paulo II deixou o país, o líder cubano restaurou o Natal como um feriado nacional. O papa enviou a Fidel Castro uma nota de agradecimento, irritando muitos falcões anticomunistas em Cuba.

Cinco anos mais tarde, a mais alta autoridade missionária do Vaticano à época, o cardeal italiano Crescenzio Sepe, viajou a Cuba para celebrar a reabertura de um convento da ordem religiosa feminina Santa Brígida.

Sepe chegou ao país sob críticas por parte de católicos conservadores, que denunciaram o gesto como nada mais do que uma foto oficial para o regime de Fidel. As autoridades vaticanas, no entanto, insistiram que a viagem foi parte de uma estratégia de longo prazo que visou pôr o país caribenho num caminho mais moderado.

Quando Bento XVI visitou Cuba em 2012, ele claramente declinou o convite para se reunir com uma delegação das “Damas de Branco”, um dos principais grupos oposicionistas do regime de Fidel Castro no país. Ele também denunciou o embargo comercial americano a Cuba, dizendo que este “sobrecarregou injustamente” o povo cubano.

O pontífice alemão foi tão respeitoso nesta visita que o cubano-americano Marco Rubio, senador americano, representante da Flórida – e católico –, manifestou o receio de que a hierarquia católica “negociara um espaço de trabalho” para si em Cuba, “em vez de ver o outro lado”, referente aos crimes cometidos pelo regime.

A revista The National Review, publicação conservadora que normalmente apoia o papado, publicou artigos que criticavam Bento XVI e a Igreja local por não abraçar, publicamente, os dissidentes cubanos, e um colunista do jornal Miami Herald escreveu: “A hierarquia da Igreja cubana irá entrar para a história por se aliar aos opressores em vez de ficar do lado dos oprimidos”.

Nada disso, entretanto, dissuadiu os diplomatas vaticanos que estavam determinados a manter abertas as linhas de comunicação com Cuba, especialmente enquanto o país se preparava para um futuro pós-Fidel Castro.

O papa Francisco se reuniu com Berta Sole, líder das “Damas de Branco”, no fim de uma Audiência Geral em março de 2013, e deu ao grupo a sua bênção. Na época, as forças anti-Fidel esperavam que este encontro pudesse sinalizar uma mudança de direção sob o comando do primeiro papa latino-americano da história.

Mas, em vez disso, Francisco deu continuidade, em grande parte, à política oficial de permanecer dialogando com Cuba, abordagem que ajudou a pôr o Vaticano numa posição de confiança no vai e vem entre Washington e Havana.

O papa escreveu uma carta pessoal a Obama em meados deste ano e uma outra a Raúl Castro, abertura que teria ajudado a quebrar o gelo entre os dois líderes.

Dependendo de para onde Cuba vai ir a partir de agora com respeito à liberdade religiosa, a determinação do Vaticano de manter em aberto o diálogo com o país caribenho vai parecer ter sido uma ação sábia ou não.

Por enquanto, Francisco pode desfrutar da liderança moral que encorajou as autoridades de ambos os lados a enxergar o “mundo tal como ele deve ser”.

Crux, 17-12-2014.

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