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08/06/2014: "Excelente Dom"

Comentário ao Evangelho da Solenidade de Pentecostes: Jo 20,19-23

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Para alguém que ama, seria certamente muito difícil determinar o momento exato a partir do qual passou a amar outra pessoa. Pois o amor, assim como todas as realidades profundas do coração, nasce discreto e silencioso. E, quando se dá conta, o apaixonado já se vê devotado inteiramente àquele outro ou outra que fez morada em seu peito e que furtou para si o seu coração. Ao olhar para trás, o amante apenas sabe que ama, que sua vida ganhou novo sentido a partir do amor – e isso lhe basta. Pode-se até celebrar simbolicamente a memória de momentos em que o amor se fez sentir, se expressou, se manifestou. Mas quando exatamente ele germinou no coração apaixonado, isso permanece sempre mergulhado num sagrado mistério. A mesma dificuldade teríamos nós, se nos perguntassem quando exatamente abraçamos a fé. Sabemos apenas que a fé mesma nos abraçou; ou que, no chão de nossa história, o Ressuscitado nos encontrou e nos salvou com seu amor – e isso nos basta para crer. E, ainda que existam momentos de forte expressão ou lapidação da fé – momentos em que tomamos consciência dela, em que “reconhecemos o Senhor” – ninguém de nós seria capaz de apontar o exato instante em que a companhia silenciosa do Senhor se pôs a caminho conosco. Sabemos que nos acompanha sempre – e isso basta.

O mesmo ocorreu com Israel. Deus já tinha demonstrado a eleição de seu povo ao longo da caminhada pelo deserto. Antes, já o havia libertado da escravidão do Egito. Antes ainda, já se manifestara a Moisés na sarça que ardia. E, muito antes, já havia prometido a Abraão uma terra e uma descendência. Por fim, compreendemos: no princípio, Deus já havia criado para dar-se a conhecer e salvar – e não houve um instante sequer da grande história do universo ou da breve epopeia humana em que Ele não estivesse silenciosamente presente. Contudo, Israel recorda como o dia de sua eleição por Deus num momento muito especial, em que o Deus apenas dos antepassados se tornou o “Deus de Israel” e o povo correspondeu, tornando-se “Povo de Deus”. As Escrituras remontam esse dia ao fim de sete semanas (uma ‘semana de semanas’, um ciclo perfeito de maturação da consciência) após a passagem do Mar Vermelho. Ou seja, cinquenta dias depois da Páscoa. Foi quando essa antiga Festa das Semanas (“Shavout”), na qual se celebravam os dons colhidos da generosidade da terra, passou a celebrar o grande dom de Deus: a Aliança de perfeita amizade de salvação e adoração, expressa pelas palavras da Torah, do Decálogo, da Escritura (cf. Ex 19). Segundo essa tradição, Deus mesmo oferece a seus amados um caminho para ascender ao seu divino coração, realizando simultaneamente tudo quanto podemos ser e tudo quanto Ele sonhou que fôssemos. Servindo-o de coração, somos seu povo; salvando-nos por amor, Ele é nosso Deus.

Não foi, pois, sem razão que Lucas, em seu belo e lapidado esquema narrativo, situa neste dia de Pentecostes (a festa “dos Cinquenta Dias” ou “das Semanas”) a efusão do Espírito Santo sobre os discípulos de Jesus. Na “festa dos dons”, Deus oferecera os Mandamentos a Israel como testemunho e dom da Aliança; agora, na “nova festa dos dons”, oferece seu Espírito, como dom supremo confiado à Igreja, mas destinado ao mundo inteiro. É o Espírito de Cristo, que gera comunhão em meio ao que está dividido, comunica a Boa Notícia do Ressuscitado a todos, “em sua própria língua”, em seus próprios costumes, suas buscas, seus sonhos. Espírito Santo, capaz de abrir de novo à esperança os corações fechados pelo medo, pela tristeza, pela indiferença, pelo ressentimento, pela dor, pela morte. Por isso, somente a partir desse relato Lucas se referirá aos discípulos de Jesus como “a comunidade”. Pois para ele é claro: a Igreja nasce da fé no Ressuscitado, confirmada pelo Espírito, dom de Deus.

Que, nesses cinquenta dias, a Páscoa de Jesus possa ter amadurecido em nós. E que, hoje, nesta festa de Pentecostes, “festa dos dons”, possamos renovar nosso compromisso eclesial: mantermo-nos abertos ao Espírito, dom de Deus que gera Cristo em nós; disponíveis ao Espírito de Cristo que nos encoraja ao anúncio de sua Boa Notícia, a partir de dentro da cultura de todos os povos; por fim, dóceis ao Espírito Santo, Senhor que dá vida e nos devolve inteiros à fiel esperança daqueles dons que nos foram prometidos.

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Pro, Frei João Júnior ofmcap

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